top of page

Os corações alargados

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 4 de nov. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 11 de nov. de 2023

No dia do nosso batismo, fomos configurados a Cristo para testemunhá-lo entre os homens na vida terrena e para recebê-lo como herança na vida eterna. A festa de todos os Santos é a nossa festa, pois celebra o nosso futuro e recorda os tantos irmãos que nos precedem na glória da eternidade. Os santos que hoje celebramos não foram pessoas que nunca pecaram na vida, mas que aprenderam dentro das limitações e vulnerabilidades de suas existências, professar a vitória da misericórdia e da graça superabundante de Deus.

Neste sentido, hoje devemos trazer em nossa memória, não somente os santos conhecidos ou aqueles a quem prestamos nossa devoção, mas devemos nos lembrar do incontável número de testemunhos desconhecidos. Devemos venerar os santos que estiveram e que estão no meio de nós!

Os santos que celebramos nunca tenham tido visões, não sonharam com realidades metafísicas, nem sequer tenham proclamado profecias. Também, não tenham sido “magos” operadores de prodígios ou de milagres. Não massacraram suas carnes com os “prazeres” da penitência. Esta solenidade faz memória de tantos santos e santas que não foram reconhecidos pela Igreja. Entretanto, foram conhecidos nas particularidades de suas vidas, tocando a nossa história, o nosso tempo e as nossas comunidades. A santidade é anônima e sem alarde, não é heroica, expressa-se no pequeno, no ordinário, no quotidiano.


A santidade é processo e itinerário de vida. Não é simplesmente um alcance a partir de méritos, mas a resposta do dom batismal vivenciado como tarefa da construção do Reino de Deus. Para tornar-se santo é preciso aprender a integrar dom e tarefa, vocação e crise, perguntas e respostas. Admitir nossa fraqueza e nosso pecado é o primeiro passo para a santidade. Aceitar-se imperfeito e saber viver na imperfeição é um passo essencial. A ideia de santidade como algo distante daquilo que é humano é estranha à lógica de Cristo, do Evangelho e da fé cristã.

Os santos são aqueles que possuem os corações alargados como o de Cristo para acolher, sustentar e salvar vidas humanas que carecem do amor divino. São aqueles que possuíram corações alargados abrindo espaços em suas vidas para os desconhecidos e que na transparência de seus gestos mostraram-se como imagem e semelhança de Deus.

A santidade não é um fato que acontece apenas no fim dos tempos, mas é realidade atual daqueles que se decidem por Deus na vida cotidiana. Ela existe em nós quando deixamos fluir o Divino que nos habita e quando somos plenificamos por viver na presença Dele. Viver a santidade é ter a certeza de que o nosso coração está em Deus e é tão grandioso como o de Deus. Ser santo é viver numa constante vibração das maravilhas de Deus e numa infinita gratidão interior. À luz do Evangelho, são santos aqueles que tem medidas ilimitadas, aqueles que sabem apreciar os pássaros do céu, que possuem coração generoso na contemplação do humano e que sabem devolver tudo a Deus.


O texto das Bem-Aventuranças de Mt 5,1-12 inaugura o ensinamento de Jesus e apresenta as situações paradoxais que o discípulo é chamado a viver sem ceder à ditadura do momento. Dessa maneira, os Bem-Aventurados são aqueles que não se deixam esmagar pelo peso da realidade. São homens e mulheres reconciliados, antes de tudo consigo mesmo e, portanto, capazes de reconciliar-se com os outros, com o mundo e com Deus. Nesse desejo de reconciliação, os santos são aqueles que vivem uma constante saudade de Deus no desejo de viver os sonhos de Dele nesse nosso tempo e nesse nosso espaço.


As oito Bem-Aventuranças podem ser divididas em dois grupos. As quatro primeiras indicam situações pessoais de necessidade. Há pessoas que carecem de alguma coisa: de grandeza e sucesso humanos, de consolo em suas tristezas, de forças para reagir, de justiça para reivindicar seus direitos. No entanto, na visão de Jesus, existem nelas, o princípio da beatitude. Ao contrário, as outras quatro Bem-Aventuranças descrevem relações e ações que dizem respeito à felicidade encontrada quando vivemos atitudes saudáveis com os outros: são felizes aqueles que têm misericórdia dos outros e não se deixam levar a julgamentos precipitados; são felizes aqueles que têm um olhar puro sobre as mais variadas situações; são felizes aqueles que trazem paz e não criam conflitos; são felizes aqueles que são perseguidos porque buscam a justiça e não escondem a verdade.


A palavra utilizada por Jesus não indica meta e nenhuma recompensa resultante de um esforço individual. A santidade não é a busca de um perfeccionismo autorreferencial e nem o cumprimento virtuoso de leis que nos servem de garantia futura. Ela é a maneira original de viver o Evangelho. Por isso, Jesus usa um adjetivo indicando a maneira de estar nas diversas situações da realidade humana: no choro, no desamor, no desamparo e no desvalor.

Esse é o paradoxo: a felicidade pode ser vivenciada em situações dolorosas da nossa história pessoal. Nessas situações criamos espaço para Deus, gerando esperança, fazendo crescer o amor e entendendo que a felicidade não é fruto do esforço humano, mas é a forma de corresponder o dom recebido.

As Bem-Aventuranças são portadoras da fundamental mensagem teológica-cristológica e do ensinamento da transformação. Elas são, primeiramente, proclamação da felicidade e não promessa de felicidade. Não nos servem como “meta” para conquistar a felicidade, mas como “estrada” do dia a dia que deve ser conquistada, pois a felicidade não consiste nos projetos maravilhosos do futuro e nos impossíveis horizontes, mas no aprendizado do quotidiano. A felicidade não é uma coisa para possuir ou alcançar, mas é a condição que dá qualidade à nossa vivência espiritual e encarnada.


Senhor, dai-me um coração grandioso como o teu. Ajuda-me a viver a santidade no quotidiano a fim de que eu transpareça nos simples gestos a tua imagem e semelhança. Ensina-me a viver uma constante reconciliação e a possuir um coração generoso para a contemplação do humano. Faça com que tua graça me ajude corresponder o dom recebido vivenciando a tarefa de ser testemunha da tua presença no mundo.


LFCM

Posts recentes

Ver tudo
O coração desperto

O Evangelho deste domingo se dirige diretamente aos discípulos, e não à multidão. Eles sentem medo, pois percebem sua fragilidade diante...

 
 
 

1 comentário


Marcia Severo
Marcia Severo
05 de nov. de 2023

Bom Dia Frei! Q texto maravilhoso, esclarecedor, nos mostrando caminhos possíveis de sermos santos. Gratidão. Paz e Bem. 🙏🏾

Curtir

© 2023 por NÔMADE NA ESTRADA. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • Instagram
bottom of page