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O olhar transfigurado

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 27 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 6 de mar. de 2021

Dois são os lugares que simbolizam o tempo quaresmal: o deserto e o monte. O deserto é o lugar, como vimos no domingo passado, de pacificar, harmonizar e reconciliar as situações sombrias do nosso coração. É por meio deste processo que iniciamos o propósito da conversão, sempre necessária, e da vivificação do Espírito, sempre urgente. O monte é a possibilidade de subir um espaço mais elevado para observar situações de um outro ponto de vista. Na realidade, subir para observar as situações do ponto de vista de Deus.

Se o deserto é o lugar simbólico da solidão e do encontro consigo, o monte é o lugar simbólico da comunhão e da relação com a Palavra de Deus.

São caminhos decisivos para a nossa conversão. Não são dois espaços ou duas opções distintas, mas um único caminho e sentido. De tal modo, são nessas passagens simbólicas do itinerário quaresmal-pascal que vai acontecendo a nossa transformação.


Ao mesmo tempo, a proposta quaresmal deve ir ao encontro de outro lugar simbólico: Jerusalém, o encontro com o calvário, ou mais, com a traição do amigo, a humilhação do processo e o silêncio do Pai.

Assim, temos uma nova proposta quaresmal: dar espaço à maneira de como Deus vê. É preciso ver como Deus o deserto, o monte e o calvário. Tais espaços nunca são paralelos à nossa história pessoal. Ora entramos no deserto, ora subimos no monte, ora descemos a Jerusalém.

O importante é saber fazer a passagem de um lugar para o outro com serenidade e disposição. E mais, ter consciência de que esses lugares são lugares de passagem, nunca de permanência. Pedro, entusiasmado, diz: “é bom ficarmos aqui”, porém, Jesus conhecendo o real projeto de Deus, os motiva descer do monte.


Dessa maneira poderíamos nos perguntar: o que significa ter a mesma visão de Deus?

O evento da transfiguração, sem duvidar da força do mistério, é uma situação que acontece no olhar dos discípulos, ou melhor, é nessa mudança de olhar que está o mistério. Não somente um rabino, um mestre ou um profeta, mas um rosto humano iluminado.

Em nosso coração, muitas vezes, há somente espaço para os nossos projetos pessoais. É, com isso, que prestamos culto às nossas paranoias. Com muita dificuldade, pouco a pouco, vamos dando espaço para o projeto de Deus. Então, na prática, somos convidados no tempo quaresmal a sintonizar razão, coração e olhar.


É nesta possibilidade de ter novos olhos para ver esse rosto humano iluminado que está o gentil convite da quaresma e a ação do Espírito. Por conseguinte, somos também convidados não somente a ver os espaços com os olhos de Deus, mas ver a todos com os olhos de Deus.

Com efeito, sem olhos novos, não podemos ser homens novos, nem construir estruturas novas e nem mesmo viver um tempo novo. O segredo é ver o que todos veem de maneira diferente. Ou seja, olhar com os olhos de Deus é sempre conseguir ver diferente e além dos limites do nosso pequeno e paranoico mundo.

Neste Evangelho, no entanto, temos um detalhe fundamental: a transfiguração termina no silêncio. A visão que os discípulos tiveram não poderia ser revelada com tanta facilidade. É a experiência deles. Os outros jamais conseguirão entender, pois a experiência de fé, mesmo sendo comunitária, é individual, única, singular...


Outrossim, não somente a experiência de fé, mas toda a experiência de aprofundamento e de transformação é pessoal. Quantas vezes temos a tentação de sair revelando o nosso modo de ver diferente? Às vezes, desejamos ter a maior razão e sermos reconhecidos, Todavia, somos vistos como bobos, infantis, doentes e, às vezes, ideológicos demais.

Jesus, sabendo disso, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Com isso aprendemos que o silêncio não deteriora a qualidade da experiência, o aprofundamento da fé, a intensidade da vivência e a beleza das relações.

Por fim, os discípulos discutiam o que queria dizer “ressuscitar dos mortos”. Mal sabiam eles que a experiência do Tabor os havia ressuscitado dos mortos, justamente porque viram a salvação e tiveram o olhar transfigurado. Portanto, ressurgir significa ser transfigurado por uma verdadeira metamorfose da razão, do coração e do olhar para se viver com e como o Ressuscitado.


LFCM.

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