O valor do chamado
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 23 de set. de 2023
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A parábola de hoje nos apresenta a lógica invertida do Evangelho e a forma diferente do pensamento de Deus. É uma narração simples, mas com uma força impactante. Ela nos surpreende e nos desloca gerando em nós uma resistência. Em nosso modo de pensar parece que o protagonista da história é injusto com aqueles que são chamados ao serviço. O patrão tem um comportamento bem diferente. Ele não pensa nos ganhos, mas deseja que todos sejam acolhidos, valorizados e realizados.
Através dessa narração, Jesus mostra-nos a surpreendente maneira do agir de Deus, representado por duas atitudes do dono da vinha: o chamado e a recompensa.
Jesus compara o Reino de Deus a um patrão que procura continuamente trabalhadores para a sua vinha. Bem cedinho, o patrão saiu e chamou os primeiros. No decorrer do dia também chamou mais operários. Inclusive, depois do dia de trabalho quase terminado, ou seja, depois das 17 horas, ele ainda convidou outros trabalhadores. O patrão fez muitos chamados, não excluiu ninguém, ofereceu trabalho em todas as horas. Saiu de casa por mais de cinco vezes, até no fim da tarde, quando restava apenas uma hora útil de trabalho. Ele não está fechado no seu mundo, mas vive “em saída”. O desfecho final é surpreendente. O administrador pagou todos de forma igual no fim do dia: os trabalhadores do início e os do fim do dia receberam o mesmo salário.
Esta atitude do patrão gerou resistências e protestos. Aqueles que tinham sido contratados desde o início do dia começaram a murmurar por acreditarem estar diante de uma injustiça. Eles que suportaram o calor e o cansaço do dia todo e não poderiam receber a mesma recompensa daqueles que trabalharam apenas por uma hora. Eles sentiam a tremenda injustiça que estavam sofrendo. A forma de pensar deles era correta e o raciocínio era justo. No entanto, para o patrão a justiça estava no valor estabelecido antes do contrato de trabalho. O valor do chamado estava na resposta de ir ao trabalho e não no tempo trabalhado.
Os trabalhadores da primeira hora se queixaram do mesmo tratamento dado a todos pelo senhor e mostraram-se incapazes de compreender a atitude do dono da vinha. O patrão desejou dar aquele que foi contratado por último a mesma quantia recebida pelo primeiro empregado. Afinal, ele tem o direito de fazer o que quer com o que lhe pertence, pois no ato do contrato havia sido estabelecido o valor do pagamento. Ele não levou em conta o mérito daqueles que trabalharam por mais tempo. A sua liberdade permitiu com que ele fizesse o que desejasse com seu dinheiro. A mensagem desta parábola deve ser compreendida neste comportamento surpreendente e desconcertante do Mestre. Jesus não quer falar do trabalho nem do salário justo, mas deseja e fala do Reino e da bondade de Deus.
O mal-entendido entre os empregados aconteceu pela falta de clareza no entendimento que o proprietário tinha acerca da justiça. Os trabalhadores compreenderam a justiça baseados em critérios de julgamento e estavam convencidos de que o patrão levaria em conta os méritos e o tempo de serviço de cada um.
No entanto, o patrão seguiu seu entendimento de justiça e distribuiu seus bens de forma livre, gratuita e incondicional. Ele não fez mal a ninguém, apenas decidiu não levar em consideração o mérito e o tempo cronológico. Ele deu a todos segundo suas necessidades. Naturalmente, os primeiros a serem beneficiados foram os últimos. Esta é a surpresa de Deus. Esta é a sua estranha forma de conceber e praticar a justiça.
A parábola é uma denúncia clara e provocadora de uma religião que depende de méritos. No mundo de Deus a questão não é demais ou de menos. Não é de mérito ou de culpa, de bons e de maus. O mundo divino se volta aos dons e à acolhida. A justiça humana é dar a cada um aquilo que lhe é permitido e conforme o tempo e o esforço. A justiça de Deus dá a todos o que de melhor tem.
O Criador não é um empreendedor, mas um doador. Ele não tem a pretensão de economizar, mas quer superabundar com a sua generosidade incalculável. Ele não raciocina de modo equivalente, mas excedente. O Mestre escandaliza os devotos que se esforçam para contar suas ações a fim de enumerar seus próprios méritos. Essa é a novidade do conceito de justiça divina ensinado por Jesus aos homens.
Além da generosidade e da gratuidade do patrão, a murmuração dos trabalhadores é um fato relevante na parábola. Essa queixa brota da comparação aos outros, da mesquinhez do coração e dos olhos fechados à lógica do Evangelho. O coração estreito e o olhar arrogante fazem com que os empregados, nem sequer consigam aproveitar o fruto do trabalho. A murmuração deles revela um outro pecado: a inveja. Dos sentimentos humanos, aquele que causa mais sofrimento e interferências nas relações entre as pessoas é a inveja. Esta força negativa serve para produzir lamúrias, queixas e amarguras. A inveja corrói, transforma o irmão em inimigo e destrói toda e qualquer relação.
Com essa parábola, Jesus destrói para sempre a forma farisaica de se relacionar com Deus. O amor do Senhor não se compra, não se conquista, não se avalia com base nas boas obras. O amor divino é recebido gratuitamente. É aos famintos que Deus sacia de bens, enquanto manda embora os ricos de mãos vazias. Ele não se cansa de sair ao encontro do homem, mesmo quando falta todos os seus compromissos. Deus não paga de acordo com o mérito. Ele não possui um raciocínio mesquinho. Sempre temos a tentação e a pretensão de aplicar a Deus nosso conceito de “justiça religiosa”. Sermos bons para que Ele nos premie ou, pelo menos, não nos castigue, não pode ser nosso ideal de vida cristã.
O Evangelho nos convida a ter o olhar lúcido, a liberdade do coração e a generosa gratuita do dono da vinha. Ele, à imagem de Deus, não vive dos méritos, mas da misericórdia. De fato, a misericórdia divina é escandalosa porque não é meritocrática, porque não é um mero sentimento ou uma ação que chega aos seres humanos a partir de seus méritos. A misericórdia não pode ser conquistada e muito menos adquirida, ela somente pode ser acolhida como um dom gratuito e incondicional de Deus. O Senhor faz misericórdia ao último e serve ao primeiro. Ele é compassivo e generoso: acolhe o último como o primeiro e concede o descanso a quem chegou na última hora como aquele que trabalhou desde a primeira.
Senhor, ensina-me a ter os vossos pensamentos. Dá-me o dom de acolher e valorizar a todos. Capacita-me a pensar e a praticar a justiça com compaixão, bondade e misericórdia. Ajuda-me a viver a lógica invertida do Evangelho quando a força da inveja desejar tomar conta das minhas atitudes e práticas. Faz-me ser capaz de dar o meu melhor aos meus irmãos sem esperar deles méritos, mas apenas dar-lhes misericordiosamente e gratuitamente como Jesus me ensinou.
LFCM.


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