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O sentido da existência humana

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 11 de fev. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 26 de fev. de 2022

No início da vida pública de Jesus, os evangelistas mostram que grandes multidões judaicas e dos territórios pagãos se reuniam em torno Dele. Muitos chegavam para ouvi-lo, serem curados de suas enfermidades e libertos de espíritos impuros. Toda a multidão procurava tocá-Lo porque de Jesus saía uma força que curava todos. Nestes encontros, Ele ensinava, mostrava o profundo sentido da existência humana e tentava responder o desejo fundamental de todo homem: como ser feliz? Desse modo, indicou os princípios necessários para um estilo de vida coerente: as Bem-Aventuranças.


Entre as Bem-Aventuranças e a história de Pedro e seus companheiros há uma bela conexão. É uma conexão que vai do fracasso à esperança. Jesus pediu o barco de Pedro para que pudesse anunciar a sua Palavra. O barco de Pedro – lugar do fracasso, da derrota e do absurdo – tornou-se o lugar do anúncio da Palavra de Deus, lugar da esperança. Graças a esse barco, Jesus anunciou a Palavra e ajudou tantos encontrarem sentido em suas vidas. Nesta mesma direção, podemos ler as Bem-Aventuranças: a pobreza, a fome, o choro e a rejeição quando vivenciadas à luz de Cristo tornam-se espaços de esperança e de salvação, permitem-nos experimentar o Absoluto de Deus e compartilhar com Ele o sonho da real vida.


As Bem-Aventuranças foram pronunciadas por Jesus logo após o chamado dos apóstolos e possuem um valor constitutivo da identidade dos novos seguidores. O fundamento das Bem-Aventuranças está na intuição que Jesus teve de apresentar propostas de plenitude e de felicidade aos seus seguidores. Por isso, servem para inaugurar o ensinamento de Jesus e para apresentar as situações paradoxais que o discípulo é chamado a viver sem ceder à ditadura relativista da felicidade momentânea.


O relato se faz presente no texto de Mateus e de Lucas. No entanto, Mateus o insere no “discurso da montanha” e Lucas no “discurso da planície”. Enquanto no relato de Mateus, Jesus subiu a um monte e lá anunciou as Bem-Aventuranças; no relato de Lucas, Ele estava num lugar plano e, para falar ao povo e aos seus discípulos, teve que levantar os olhos. O vale da impotência, da dor e das situações difíceis é o lugar onde se faz necessário levantar os olhos para entender a proposta da plenitude. Jesus não olhou a situação humana de cima para baixo, mas colocou-se mais embaixo, levantou os olhos para confortar e se solidarizar. Dessa forma, a planície é o lugar da identidade dos discípulos e onde o Evangelho foi constituído.


Mateus relata oito Bem-Aventuranças e as espiritualiza”: “pobres... de espírito”, pessoas que “têm fome e sede de justiça”. Enquanto Lucas as “terreniza”: “Bem-aventurados vós, os pobres [...] Bem-aventurados vós, que agora tendes fome [...] Bem-aventurados vós, que agora chorais”, relatando apenas quatro e as reforçando com quatro contradições paralelas na tentativa de facilitar o aprendizado: “Bem-aventurados vós... Mas, ai de vós”. As situações opostas não servem como ameaças, mas como admoestações: “Ai de vós, ricos [...] Ai de vós, que agora tendes fartura [...] Ai de vós, que agora rides [...] Ai de vós quando todos vos elogiam”. Lucas compreendeu o significado essencial do discurso de Jesus. Ademais, as bem-aventuranças de Mateus são dirigidas na terceira pessoa (“aqueles que”) e as de Lucas são dirigidas na segunda pessoa (“vós”).


As Bem-Aventuranças são portadoras da fundamental mensagem teológica-cristológica e do ensinamento da transform-ação. Elas são, primeiramente, proclamação da felicidade e não promessa de felicidade. Não nos servem como “meta” para conquistar a felicidade, mas como “estrada” do dia a dia que deve ser conquistada, pois a felicidade não consiste nos projetos maravilhosos do futuro e nos impossíveis horizontes, mas no aprendizado do quotidiano. A felicidade não é uma coisa para possuir ou alcançar, mas é uma condição que qualifica nossa vida.


Jesus não apresenta a felicidade ligada à ideia de posses, nem reduzida ao fato de alguém estar contente com o que tem e nem mesmo inserida num contexto de realização pessoal e profissional. A felicidade presente nas Bem-Aventuranças apresenta situações de contrariedade e de sofrimento. Jesus as aponta não apenas para comunicar nova mentalidade, mas para visualizar a concretude do caminho de conversão. Aqueles que O ouviam, pensando que estivesse confuso, reagiram questionando a contrariedade da proposta: felizes os que sofrem?

As Bem-Aventuranças são uma mensagem decisiva que nos impele a não depositar nossa confiança em coisas materiais e passageiras, a não buscar felicidade de modo rápido e com soluções mágicas a qualquer problema. Elas são vigorosas e incisivas. Também nos ensinam discernir as situações com fé abrindo nossos olhos e fazendo-nos ver com o olhar de Jesus: além das aparências e da superfície.

No Evangelho, os “bem-aventurados” são os pobres, os famintos, os aflitos e os perseguidos. Tais pessoas não são “elogiadas” pela condição social precária, mas porque, com Jesus, Deus assume a defesa dos pobres, faz justiça a quem está privado dela, oferece uma esperança e um futuro a quem se acha sem futuro e sem esperança. Dessa maneira, os Evangelhos apresentam a “força nova” para a humanidade. As Bem-Aventuranças revelam para o ser humano sua verdadeira identidade desafiando-o superar os medos, os egoísmos e suas diversas incoerências. A afirmação de que elas seriam uma utopia, um ideal impraticável em sua dimensão e em seus limites terrenos é comum de ser ouvida entre os cristãos. No entanto, é importante acreditarmos que Jesus não é um simples sonhador ou um mito, mas um homem de concretude, pleno e cheio de sentido.


Senhor, ensina-me olhar além da superfície e das aparências. O meu coração deseja ardentemente a felicidade. Ajuda-me a viver de modo coerente o caminho para alcançá-la aqui e agora. Ensina-me não depositar minha confiança e fé nas coisas materiais e passageiras. Faz-me compreender que de modo rápido e com soluções mágicas eu jamais serei verdadeiramente feliz. Conduz-me ao teu projeto de felicidade não apenas na vida futura, mas no teu seguimento cotidiano.


LFCM.

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1 comentário


Marcia Severo
Marcia Severo
14 de fev. de 2022

Gratidão Frei. Texto maravilhoso e me deu ânimo para seguir. Paz e Bem. 🌻

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