top of page

O reconhecimento do "outro"

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 27 de set.
  • 3 min de leitura

Os personagens principais do Evangelho deste domingo são um homem rico e o pobre Lázaro. A parábola contada por Jesus não tem como foco apenas um chamado pontual à caridade, mas aponta para um percurso de vida que se constrói diariamente. Jesus alerta contra a sutil e constante tentação de viver voltado apenas para si mesmo, centrado no prazer e na aparência. O homem rico é símbolo daquele que consome tudo para si e vive indiferente ao outro.

A mensagem de Jesus não é moralista, nem se resume ao cumprimento de leis e mandamentos, mas convida a uma existência nova, marcada pela comunhão, solidariedade e responsabilidade. A verdadeira conversão acontece quando deixamos de ser o centro da nossa própria vida e reconhecemos o “outro” como presença sagrada.

A parábola se divide em duas partes: a narração (vv. 19-23) e o diálogo (vv. 24-31). Primeiro, apresenta-se a realidade oposta vivida pelos dois personagens: o rico desfrutava de luxo e banquetes diários, enquanto Lázaro, faminto e coberto de feridas, esperava pelas migalhas que caíam da mesa. Ambos morrem, mas, numa nova dimensão, ocorre uma inversão radical. Lázaro é acolhido e consolado, enquanto o rico é atormentado. Mesmo na eternidade, a cegueira espiritual do rico é reveladora da vida que levou e das escolhas que fez. Ele permanece sem nome, pois sua identidade foi consumida pela riqueza e pela indiferença. Lázaro, ao contrário, tem nome e dignidade: seu nome significa “Deus ajuda”. A eternidade confirma aquilo que vivemos: comunhão ou isolamento.


A ausência de nome do homem rico é profundamente simbólica. Na linguagem bíblica, não ter nome é não ter identidade, não ter rosto, não ter consistência interior. O rico vive preso à superficialidade, refugiando-se nas aparências e tentando preencher seu vazio com festas, roupas finas e status. Sua existência gira em torno de uma imagem que agrada aos outros, mas que o distancia de si mesmo e de Deus. Isso contrasta com a vida de Jesus, que se despoja, serve e se entrega.

A condenação do rico não se deve à sua riqueza em si, mas à sua total indiferença ao outro. Quem vive apenas para parecer, acaba por perder a própria essência. Quem vive agradando aos outros nunca descobre quem verdadeiramente é diante de Deus.

Lázaro representa aquele que, mesmo na dor e na miséria, permanece aberto à vida, à relação e ao desejo. Sua pobreza o coloca em constante busca, em atitude de humildade e de dependência do outro e de Deus. É lembrado com um nome, pois, mesmo ferido e excluído, tem uma história que o torna digno da presença divina. A condenação do rico não se dá por ter cometido crimes ou transgredido mandamentos, mas por não ter partilhado a própria vida. Para Lucas, os bens não devem ser apropriação pessoal, mas dom de Deus para o bem comum.

A justiça verdadeira vai além de qualquer mandamento ou lei. Ela se realiza na generosidade ativa e na partilha.

A troca de realidade ao fim da parábola é emblemática. O rico, que antes se banqueteava, agora implora por uma gota de alívio. Lázaro, que antes mendigava migalhas, agora é confortado no seio de Abraão. O abismo entre os dois não foi criado por Deus, mas construído dia após dia pelo egoísmo e pela insensibilidade do rico. O inferno retratado não é um castigo arbitrário, mas resultado de uma vida sem amor, sem compaixão, sem abertura ao outro. Seu maior pecado mortal foi a indiferença, a incapacidade de ver quem sofria à sua porta.


A parábola nos apresenta dois estilos de vida. O rico, sem nome, representa o egoísmo, a vaidade e a alienação. Lázaro, com nome e história, representa a esperança, a comunhão e a dignidade. Um construiu identidade verdadeira. O outro viveu preso à aparência, sem deixar legado nem redenção. Toda vez que nos fechamos à dor alheia, um pequeno abismo começa a se abrir dentro de nós. Essa parábola é um apelo urgente para nossas escolhas. A presença do pobre é sempre um apelo de Deus à nossa humanidade. A eternidade começa aqui, nas decisões cotidianas de amor ou de fechamento. Nas escolhas diárias de amar, partilhar e enxergar quem está à nossa porta. Somos convidados a viver para que nossa vida tenha nome, sentido e um futuro glorioso diante de Deus.

 

Senhor, abre meus olhos a fim de que eu veja quem está à minha porta. Dá-me um coração sensível, capaz de partilhar. Conceda-me mãos solidárias e generosas. Que eu seja capaz de reconhecer o “outro” como presença sagrada. Permita-me que meu testemunho e que minhas ações sejam  capazes de me fazer ser lembrado com um digno nome. Amém!

Posts recentes

Ver tudo
A máxima expressão do amor

A cena apresentada no Evangelho de hoje é a última de uma série em que Lucas contrapõe atitudes diante de Jesus e do Reino. Ao longo do ano litúrgico, encontramos personagens e imagens que nos colocar

 
 
 
Entre o caos e a promessa

O Evangelho nos convida à perseverança, à vigilância e à paciência, especialmente nos discursos escatológicos de Jesus, cuja finalidade não é provocar medo, mas dissipá-lo. A linguagem apocalíptica, t

 
 
 

Comentários


© 2023 por NÔMADE NA ESTRADA. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • Instagram
bottom of page