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O gesto do testemunho e da liberdade interior

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 9 de jul. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de jul. de 2021

A comunidade dos discípulos recebe a missão de ir pelo mundo. Eles são enviados de dois em dois. Existe uma razão teológica na missão dada por Jesus. A vida evangélica, diferente das outras opções religiosas em que cada um busca o seu próprio caminho espiritual e de purificação, deve ser pensada de forma comum, ou seja, deve ser inspirada na comunhão e na descoberta da potencialidade da vida comum. O caminho do Evangelho jamais pode ser a aventura de uma vida solitária.

Ir pelo mundo de dois em dois é dar espaço à partilha e ao confronto. É o esforço necessário para não se apoderar do caminho e não se tornar o patrão do Evangelho. A pedagogia de Jesus ensina aos discípulos que um deve servir de testemunho ao outro com autoridade e apoio à palavra proclamada, levando em consideração que o testemunho de vida é mais decisivo do que o testemunho da palavra.

Neste envio, o evangelista Marcos revela apenas um único poder que Jesus concede aos seus discípulos. É surpreendente perceber que Jesus não dá aos discípulos a autoridade de comandar e de emitir disposições coercitivas. O poder que os apóstolos recebem é o de expulsar os demônios dando ordens aos espíritos impuros.


É necessário ampliar o nosso modo de compreender o sentido desses espíritos impuros que Jesus manda expulsar. Eles não são apenas forças espirituais que tentam possuir o nosso ser e atrapalhar nossa relação com Deus. Os espíritos impuros devem ser entendidos como todas as forças que, além de nos distanciarem de Deus e da vida, despertam maus sentimentos causando-nos opressão, inveja, violência, ódio, rancor e injustiça. Impuro é tudo aquilo que não é íntegro, harmônico, coerente, pacífico, pleno que acaba nos induzindo à alienação.


Nesse sentido, esses espíritos impuros simbolizam as partes sombrias e escuras que permitimos habitar em nós assustando-nos e retardando a nossa liberdade interior. Embora muitas vezes não queiramos escutá-los, eles gritam dentro de nós clamando por reconciliação, pacificação e harmonização.

A missão dada por Jesus aos discípulos é exatamente a de ajudar as pessoas a escutarem e dominarem essas forças do mal a fim de que cresçam na liberdade do Espírito. Nada de mágico ou de superpoderoso, como alguém poderia imaginar.

Na segunda parte do Evangelho, Jesus não se detém no conteúdo da mensagem, mas nos detalhes da forma como os discípulos enviados devem se manifestar. Jesus situa a missão cristã no radicalismo evangélico. A sobriedade deve ser o estilo do enviado porque a missão não é um simples ato de salvar almas. O enviado não é aquele que apenas deve falar palavras inspiradas, mas é aquele que deve seguir o estilo de vida do Senhor e manifestar o sinal eloquente da presença do Reino de Deus no meio de nós.


Em seguida, Jesus convida os discípulos a não pesar a missão. Este convite sugere não carregar conosco o que nos pesa, nos bloqueia e nos consome. A missão somente pode ser feita na leveza, caso contrário, ao longo do caminho sucumbiremos aos fardos que não deixamos para trás. Se nossos ombros estão pesados, nossos pés se recusam a caminhar. Se nosso coração não é livre, nossos olhos se fecham.


Ir pelo mundo é uma oportunidade de libertação, de nos despir da raiva e do lamento, de respirar novos ares e de observar novas possibilidades. Não carregar nada consigo é abrir-se ao aprendizado do pedir, de descobrir uma providência escondida na ordem das coisas, de acolher aquilo que o próprio Deus vai preparando.


O último trecho do Evangelho nos parece ser o mais difícil: “se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar”. É um detalhe de difícil compreensão porque é a possibilidade de falir no anúncio da Boa Nova. Jesus acena aos discípulos que eles encontrarão lugares e pessoas não dispostas a acolherem a mensagem. Isso não deverá ser um problema. Dessa forma, sacudir a poeira e ir adiante é o mais difícil de se fazer. Sacudir a poeira é sacudir o ressentimento de não ter sido acolhido e de não ter conseguido apresentar a nova proposta.

Assim, o mais pesado do Evangelho de hoje é o pó da estrada. Sacudir a poeira não é um gesto de condenação ou de julgamento, mas um gesto de testemunho e de liberdade. Não é fácil sacudir e ir adiante. Por vezes, é preferível insistir carregando o peso do pó. Não podemos nos esquecer: o Evangelho é uma opção e deve permanecer como opção.

Jesus não envia os discípulos como poderosos defensores de uma palavra e de uma religião, como proprietários de um modo de pensar e de ser, como chefes carregados de leis e de normas. Ao contrário, Ele mostra que o caminho cristão é realizado de libertação dos demônios interiores. Portanto, o Senhor nos ensina que a lógica do Evangelho, não se convence com argumentos, estratégias e táticas, mas aprendendo habitar um espaço novo com um estilo de vida diferente. Esse espaço novo e esse estilo de vida diferente chamam-se liberdade interior que somente é oferecida e adquirida por meio do seu Evangelho.


LFCM.

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