O perdão ilimitado
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 16 de set. de 2023
- 4 min de leitura
Após a pedagogia apresentada por Jesus para salvar um irmão pecador, Pedro pergunta qual o limite da correção fraterna e do perdão recíproco. Ele é consciente de que ao nosso modo de raciocinar tudo tem limite. Não é possível ajudar sempre e não ver qualquer mudança ou sentimento de conversão. Demostrando compreender as lógicas invertidas de Jesus, Pedro exagera um pouco e pergunta se até sete vezes é preciso perdoar ao mesmo pecador.
Na época de Jesus, os rabinos permitiam perdoar até três vezes um mal sofrido. Desse modo, a quantidade sete era bastante expressiva. Se Pedro exagerou em relação aos costumes e aos rituais judaicos, Jesus vai além de seu discípulo e afirma que o perdão não deve ser calculado, mas deve ser sempre ofertado.
O setenta vezes sete é a maneira mais didática que o Mestre teve para ensinar a infinitude do perdão aos seus seguidores. O amor puro e verdadeiro não vive de cálculos. O perdão é potencialmente ilimitado. Embora Jesus tivesse mostrado a questão da correção fraterna, cheia de tensão e nada fácil de ser exercida, agora Ele fala da infinita e ilimitada misericórdia e caridade.
O perdão ilimitado é mais exigente do que a correção fraterna. É humanamente difícil de ser aceito e compreendido. Quando ele é dado a partir da justiça, fazemos as pazes, assumimos os riscos e estabelecemos limites. Entretanto, quando o perdão é oferecido a partir da misericórdia, ele é sempre excessivo e abundante. O Evangelho nos ensina que o perdão é oferecer ao outro o que ele não merece por ter errado, faltado ou nos traído. O perdão cristão é a capacidade de perdoar o imperdoável. Para esclarecer a lógica desse perdão, Jesus construiu uma parábola.
Um empregado que devia uma enorme fortuna foi levado diante do seu patrão. Não tendo como pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo junto com tudo o que possuía. Desesperado, o empregado caiu aos pés do patrão para pedir o perdão da grande dívida. Compadecendo-se do desespero do empregado, o patrão aceitou suas lamúrias e perdoou o endividado. Logo após ter experimentado o perdão do patrão, o homem perdoado encontrou dois outros homens que lhe deviam uma pequena quantia. O empregado perdoado, não sendo capaz de perdoá-los, mandou prendê-los. Os dois devedores, não tendo como pagá-lo, foram colocados na terra da escravidão e tornaram-se devedores para sempre.
O empregado perdoado, incapaz de dispensar a mesma misericórdia recebida do patrão, não conhece a paciência, o amor e a compaixão desfrutadas anteriormente. Ele não soube esperar para que os irmãos pudessem mudar. Ele não soube dar tempo necessário para que lhes pagassem a dívida. Ele não aprendeu oferecer novas possibilidades aos seus devedores.
Oferecer o perdão é sempre correr risco: nunca sabemos se o outro será capaz de acolher, se aproveitará bem ou se retribuirá com a mesma compaixão e generosidade o perdão recebido. Neste sentido, o perdão é onipotente e frágil. É onipotente, pois tudo pode ser perdoado, mas é frágil porque não é certo de que mude o coração de quem o recebe. Portanto, o perdão, não deve ser calculado, mas totalmente gratuito e ilimitado.
Pedro fez a pergunta inicial e deu a oportunidade de Jesus contar a parábola. A consciência petrina diz: “Calma aí, tudo tem limite”, “chega um tempo que a gente cansa”, “não posso ficar fazendo de conta que nada aconteceu”, “chega de continuar sofrendo injustiças”, “esse perdão ilimitado não é a justificativa para a pessoa permanecer errando?”. Pedro representa a voz da consciência que não quer ser continuamente questionada, mas que deseja sentir-se bem e em paz, embora quisesse quantificar o amor, colocar limite na misericórdia e estabelecer medida na justiça. Então, diante dos raciocínios petrinos, Jesus propõe o perdão não medido e não calculado a partir dos sentimentos e dos impulsos.
Não dispensar o perdão é tornar a vida do outro uma prisão. Não tem como “trabalhar” para pagar uma dívida estando preso. Perdoar é abrir para o outro a possibilidade do futuro. A vingança e o rancor veem o presente ancorado no passado. O ódio perverte o olhar e a sua força é a cegueira de não encontrar uma razão para perdoar. Assim, Jesus ensina que o verdadeiro perdão é aquele que liberta o outro para ele caminhar. Na origem do termo perdão (per-donum), está implícito o dom de nova possibilidade de vida: trata-se verdadeiramente de devolver a vida. Isto não se aplica apenas a quem recebe o perdão, mas em que concede o perdão. O perdão devolve a vida a quem o oferece porque o liberta do ressentimento que aprisiona e do rancor que mata.
A vida é continuamente um pedido de perdão. “Perdoai-nos, ó Pai, as nossas ofensas, como nós perdoamos a quem nos ofendeu”. Devemos encontrar a força para perdoar nossos irmãos, lembrando das ilimitadas vezes que fomos perdoados por Deus. Todos sabemos das nossas limitações e das negações com que tratamos nossa relação com Deus.
É experimentando o perdão de Deus que se alcança o dom de perdoar sem cálculos e sem limites. O fundamento do perdão é ser perdoado. É o perdão maior que nos permite perdoar a nós mesmos e aos outros. O ensinamento é claro: o pedido de perdão a Deus é credível se acompanhado da disponibilidade e da prática concreta do perdão fraterno. Como diz a canção: “se eu não perdoar o meu irmão, o Senhor não me dá o seu perdão”.
O Evangelho nos ensina que é preciso nos distanciar do rancor, do ódio e da vingança. O rancor e a raiva são coisas detestáveis. Precisamos nos aproximar da verdade clara, da memória do coração, da admoestação sábia e da caridade comum. A mensagem teológica deste domingo é clara: o perdão que Deus realiza no seu Filho Jesus, o Messias, é incondicional, radical e paradoxal. O perdão, alargamento do coração humano, conforma o homem para viver à semelhança de Deus, pois é no ato cotidiano de perdoar os irmãos que somos divinizados.
Senhor, ensina-me a entender as tuas lógicas para oferecer um perdão potencialmente ilimitado. Dai-me a graça de oferecer o perdão ao meu próximo a partir do perdão recebido. Ajuda-me a não medir o perdão a partir dos meus raciocínios e sentimentos. Liberta-me da perversão do olhar, da cegueira do futuro e do bloqueio da vida alheia. Educa-me a oferecer o perdão sempre para conformar minha vida em semelhança contigo.
LFCM.


Bom Dia Frei, gratidão por me enviar esse texto,com ele vou me questionar mais sobre minhas atitudes de perdão. Perdão pra com os outros e perdão para comigo mesmo. Paz e Bem.