O misterioso abandono de Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 9 de abr. de 2022
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A celebração deste domingo antecede a semana da "morte de Deus" colocando-nos na atmosfera da Semana Santa e dos últimos acontecimentos de Jesus em Jerusalém. Esses fatos revelam o ápice da vida terrena do Cristo e o coração de Sua missão nesta terra. Nesse sentido, somos convidados a reviver estes eventos e a participar deles, não apenas como simples recordação do passado, mas como atualização do mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus.
O convite às celebrações não serve apenas para lamentarmos a morte de Jesus, mas para regozijar-nos pela libertação ofertada por Ele ao dar-nos sua vida.
A celebração de hoje foi estruturada em duas antigas tradições: a Procissão e a leitura da Paixão. Nela se entrecruzam a alegria ao ver o Senhor entrar em Jerusalém e a compaixão ao ver o Senhor morrer por amor. Jesus entra em Jerusalém para morrer na Cruz: “Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!” (Lc 19,38). Com sua vida, Ele despertou esperanças no coração, especialmente, das pessoas humildes, simples, pobres, abandonadas, pessoas que não eram vistas aos olhos do mundo. O Senhor Jesus soube compreender as misérias humanas mostrando-nos o rosto misericordioso de Deus. Ele reconfigurou a imagem de um Deus distante da imaginação triunfalista para a imagem de um Deus frágil, pequeno e impotente. Seu sábio silêncio fez a multidão passar dos “vivas e hosanas” ao “crucifica-o”.
A Liturgia nos ensina que Jesus não nos salvou com uma entrada triunfal; nem por meio de milagres prestigiosos, mas aniquilando-se a si mesmo, renunciou à glória de ser o Filho de Deus tornando-se Filho do homem, solidarizando-Se em tudo conosco, vivendo uma “condição de servo”, não de rei e nem de príncipe.
O Cristo não buscou a morte de cruz, mas para evitá-la deveria renegar a proposta da revelação do novo rosto de Deus que permitia possibilidades aos homens do "novo modo de ser religioso". Para que Ele não fosse crucificado seria necessário que se calasse, aceitando a mentalidade hipócrita da sociedade que vivia uma medíocre religião de controle social. Entretanto, seus seguidores não entenderam Sua proposta. Quando os mestres da Lei O rejeitaram, Ele poderia ter retornado a Nazaré continuando seu trabalho de construção de mesas e cadeiras na carpintaria de seu pai José. Ele poderia fazer igual aos que O cercavam. Assim, Ele não seria crucificado, mas cercado de honras religiosas por sua inteligência peculiar em relação a Deus.
Todos os evangelistas narram a Paixão e a Morte de Jesus na cruz sob diferentes óticas e perspectivas. Alguns, bem mais detalhados, enquanto outros, mais sucintos. Os detalhes de cada narrativa estão relacionados ao contexto vivido por cada comunidade e alicerçados naquilo que acreditam ser o necessário para transmitir a mensagem desejada. Neste ano, proclamamos a narrativa da Paixão, segundo o evangelista Lucas. Ele, com pormenores, apresenta um Jesus paciente, cheio de compaixão e de misericórdia.
São diversos os elementos e sentidos da Paixão de Jesus, segundo Lucas. Somente ele lembra que, momentos antes de morrer na cruz, Jesus ainda tinha forças para dizer: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Jesus não se referia apenas aos soldados que tinham a intenção de dividir suas vestes, mas se voltava aos verdadeiros responsáveis por sua morte: as autoridades religiosas de sua época. Jesus não se limitou ordenar seus seguidores que perdoassem sempre e sem condições, mas deu o exemplo do perdão. Lucas foi o único que disse que, a caminho do Calvário, Jesus encontrou um grupo de mulheres chorosas que batiam no peito e lamentavam a morte de um inocente (cf. Lc 23,27-31). Os outros evangelistas buscaram enfatizar o comportamento dos discípulos – Judas traiu, Pedro negou e todos fugiram (cf. Mc 14,50).
Entretanto, Lucas tentou diminuir a responsabilidade dos apóstolos não mencionando a fuga deles. Pelo contrário, afirmou que no Calvário “todos os seus conhecidos vigiavam de longe” (Lc 23,49). Não relatou a repreensão de Jesus a Pedro (cf. Mc 14,37); e, encontrou uma justificativa para o sono dos discípulos: “adormecidos de tristeza” (Lc 22,45). No alto da cruz, Mateus e Marcos relataram que dois ladrões insultavam Jesus. Lucas, porém, narrou que apenas um O insultava e, o outro, pelo contrário, repreendendo seu companheiro e, chamando Jesus pelo nome, pedia-lhe: “lembra-te de mim quando entrares no teu reino”. E Jesus respondeu-lhe: “Hoje mesmo você estará comigo no paraíso” (Lc 23, 39-43). Enfim, o olhar de Jesus para Pedro arrependido mostrou-se comovente: não um olhar de reprovação, mas um olhar que compreendia a fraqueza do seu discípulo (cf. Lc 22,61-62).
Na entrada de Jesus em Jerusalém, Lucas apresenta um Senhor escoltado por uma procissão de gente pobre, montado num jumento usando capas e vestimentas humildes. Esta realidade é acompanhada pelo paradoxo da revelação divina: um Deus-homem, um Messias fraco, um Salvador perdido e um Justo crucificado. A ideia do triunfalismo messiânico doentio, desejado e esperado pelos judeus é destruído pela Paixão do Cristo. Sua entrada triunfal como Rei-Messias foi realizada montado num jumento: “Eis que o teu rei vem ao teu encontro, manso e montado numa jumenta e num jumentinho, filho de um animal de carga” (Mt 21,4-5; cf. Zc 9,9). Este evento em Jerusalém conta com a espontaneidade do povo simples. Nada de grandes solenidades e de paramentos maravilhosos. Para Jesus, basta-lhe um jumentinho. O restante é iniciativa da multidão que se une a Ele e enfeitando o caminho entoando hinos messiânicos. Mantos são colocados como tapetes pelo solo, ramos de oliveira e palmas, cantos, gritos de louvor, vivas e aplausos.
A escolha de Jesus pretende salientar o cumprimento da era messiânica predita e, ao mesmo tempo, destaca a mansidão e não o poder como carácter distintivo do cumprimento da Sua missão divina. Ele não vem montado num cavalo, símbolo da guerra e do poder real vitorioso, mas num jumento, símbolo da vida quotidiana daqueles povos. Sua vitória marca não um domínio violento que aniquila os inimigos, mas o amor manso e misericordioso oferecido a todos os que desejam uma nova vida em Deus.
Quando perguntado por Pilatos sobre sua realeza, Jesus mostra-se prudente e cético. Sua resposta parece ser resultado de uma representação teatral irônica. Não confiando no entendimento da realeza que um homem como Pilatos teria, Ele responde: “Tu o dizes”. Na realeza de Jesus não há pretensão de poder, violência, domínio e liberdade confiscada. Isso prova que Jesus é consciente do sentido “anti-real” do Seu reinado.
A solidão, a difamação e o sofrimento não foram os pontos culminantes do Seu despojamento na cruz. E para em tudo ser solidário conosco, experimenta o misterioso abandono de Deus. No abandono, reza e entrega-Se: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Suspenso no madeiro, além da zombaria, enfrenta Sua última tentação: a provocação para descer da cruz, vencer o mal com força e poder mostrando o rosto de um deus poderoso, forte e invencível. Entretanto, no ápice da aniquilação, Jesus mantém sua missão de revelar o verdadeiro rosto de Deus. Ele perdoa seus algozes, abre as portas do paraíso ao ladrão arrependido e toca o coração do centurião. Assumindo todo o sofrimento humano, Ele traz luz às trevas, vida à morte e amor ao ódio.
Senhor, contemplar os teus gestos de despojamento e liberdade é a motivação para minha conversão. A encarnação de tua imagem num Deus diferente e distante da imaginação triunfalista me permite entender o verdadeiro sentido do discipulado: não se conquista nada por força e poder de espada; nem mesmo por apologia de uma ideologia, mas se conquista o Reino de Deus pela proposta de libertação. Ensina-me sempre a me tornar servo e modelo de serviço. Liberta-me do desejo triunfalista de poder e da realeza doentia. Faz-me manso, compassivo e terno a fim de que eu possa continuar, aqui e agora, relevando tua verdadeira face.
LFCM.


Bom Dia Frei , obrigada por me enviar palavras de consolo pela dor q o Senhor viveu por nós. Santa semana pra vc. Paz e Bem!!🙏🏽🙏🏿🙏🏻