O desafio do permanecer
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 1 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de mai. de 2021
V Domingo da Páscoa
Durante as primeiras semanas do tempo pascal acompanhamos a dificuldade que os discípulos tiveram para sair daquele cenáculo de medo e de culpa. Eles passaram da experiência com o Ressuscitado para a dinamicidade de uma vida ressuscitada.
Agora, na tentativa de tirar-nos de uma páscoa assintomática, sem efeito e sem sentido, a sacramentalidade do tempo pascal nos propõe imagens da experiência com Jesus Ressuscitado. Vimos o bom e belo pastor. Jesus é o bom pastor porque foi enviado por Deus para livrar as ovelhas da morte e para mostrar que a sua presença é capaz de distanciar tudo aquilo que representa morte. Hoje, temos a imagem da videira e dos frutos.
A imagem da videira é bem conhecida em Israel e em todo o Antigo Testamento. Israel é a vinha plantada pelo Senhor que, produzindo muitos frutos, é capaz de gerar o vinho para alegrar o coração do homem. Ademais, dessa imagem nasceram muitas páginas extraordinárias e diversas lamentações dos profetas que, em nome de Deus, exortavam a Israel-vinha sobre a não produção do fruto esperado.
A metáfora do trabalhar a videira tem como principal sentido a produção dos frutos. A inteligência e a experiência do agricultor o permitem tomar duas decisões: cortar ou podar. Há diferença entre o cortar e o podar, mesmo que externamente tenham a mesma aparência. O corte tem valor de limpeza, alivia a árvore do peso desnecessário. A poda tem valor de fecundidade. Embora pareça uma dor inútil, serve para dar mais fruto. Neste sentido, podar e cortar não são imagens de retaliação, mas do cuidado e da ternura de Deus por cada homem.
Por conseguinte, Jesus se compara com a imagem da videira. É uma novidade potente e com muitos significados. É um salto de qualidade na compreensão de Deus que somente Jesus poderia explicar. Ele não é o agricultor que corta e poda. Ele é a verdadeira videira. Ele é a fonte dos ramos. Desse modo, surge o convite: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós”.
Para lermos de outro modo a narrativa evangélica, abandonemos uma leitura romântica e piedosa do verbo permanecer. Permanecer não é sempre fácil, pois se uma relação é verdadeira e autêntica, inevitavelmente ela exige muito tempo e enorme disposição. Cada um de nós reconhece o quanto é exigente permanecer em uma relação, mesmo que ela seja bela e tenha resultados positivos. Todavia, se uma relação não me possibilita ser melhor para compreender minha existência, significa que ela estagnou, vive de aparências externas e sociais.
Permanecer na relação com Deus não é menos exigente. Significa sair da comodidade de uma relação supérflua e indiferente: eu não te perturbo e você não me diz nada. A Palavra dita por Ele incomoda e é sempre perturbadora. Não há segredo do coração que escape à luz dessa Palavra, não há sombra de morte que não seja dissolvida.
Assim, permanecer na relação com Deus é ser incomodado de forma contínua para sair dos nossos raciocínios lógicos e medíocres. Permanecer é um desafio e não um status, pois é aceitar a incerteza e a confirmação de que somos amados.
O convite a permanecer não possui uma obstinação passiva. Exige relação, comunicação e vida: “sem mim nada podeis fazer”. Diante disso, dizemos que sem Jesus, a nossa vida vive sequestrada pelos absurdos temporais da existência que busca uma forma externa para o preenchimento do vazio interior. Em outras palavras, sem Jesus, a vida, pouco a pouco, se torna ridícula, dramática, cercada de constante ilusão e de perfeita desilusão.
Enxertados em Cristo pelo Batismo já temos a graça gratuita da vida nova e da comunhão vital com Ele. Os frutos dessa comunhão são maravilhosos. Vemos o mundo com os olhos de Cristo, vivenciamos a justiça que é misericórdia, dizemos a verdade que é liberdade e o coração se abre para a largueza da generosidade.
Portanto, se somos seduzidos e experimentamos o Evangelho em nossa vida; se acreditamos que o Ressuscitado não é um fantasma, é mais do que uma simples lembrança do passado; se abrimos nossa mente à inteligência das Escrituras para O reconhecermos no partir do pão, nas feridas tocadas e na voz pacífica que cura a culpa, somos conscientes de que sem Ele nada podemos ser, ter ou fazer. Então, neste desafio do permanecer, precisamos viver não somente da experiência com o Ressuscitado, mas da dinamicidade de uma vida plena e ressuscitada.
LFCM.


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