O tesouro do coração
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 28 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de mar.
Jesus continuou seu discurso mostrando imagens, apresentando sentenças e revelando sentimentos com o objetivo de desenvolver o jeito bem-aventurado de ser discípulo. Com fortes e ásperas palavras, na intenção de tocar os corações mais endurecidos, Ele recordava que o testemunho fundamental da vida cristã é um coração cheio de bondade. A comunidade nascente enfrentava problemas internos e a relação entre os discípulos dava sinais de que não estava boa. Alguns considerando-se superiores, expressavam julgamentos e viviam obcecados pela vida do outro esquecendo de enxergar, com a mesma lucidez, seu próprio coração enganador.
Jesus, com muita sabedoria, falava da hipocrisia. A hipocrisia toca todas as dimensões humanas. Entretanto, a religiosa é a mais escandalosa porque o “hipócrita religioso” faz da sua contradição, um heroísmo trágico. A hipocrisia religiosa revelava uma leitura esquizofrênica e falsa da prática da fé: a dureza para com os outros e a tentação da indulgência para consigo mesmo. O mecanismo psicológico utilizado era evidente e simples. Enquanto julgo e condeno o outro, absolvo-me de comportamentos que são mais graves do que aqueles os quais denuncio. Esta é a prática enganosa do que condenam os outros e tentam tornarem-se inocentes
Jesus é claro: “Por que vês o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho?”. O convite de Jesus era para que o discípulo fosse capaz de ver o mal que habitava em seu próprio coração. Desse modo, Ele oferece um critério diferente: todo julgamento pode ser feito com os olhos de Deus.
Porém, nos olhos de Deus não há traves. Sua retina abraça toda criatura. Seu olhar alcança o mais profundo dos corações. Uma religiosidade que não está imbuída de misericórdia torna-se mera hipocrisia. Não se trata apenas de julgar situações, mas de vê-las com o olhar amoroso, compassivo e misericordioso de Pai.
Utilizando a imagem da árvore e dos frutos, Jesus falou dos sentimentos mostrando que tudo o que fazemos, nasce do coração. Todo bem e todo o mal têm origem no coração humano. Se “meus frutos” são de amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade e de mansidão é porque a “árvore” da minha vida tem raízes na misericórdia de Deus. Ao contrário, se minha boca julga, condena e apenas diz palavras torpes e injustas, o meu coração não está vibrando com o coração humano-divino de Jesus.
A misericórdia do discípulo deve ser a vibração de permanecer ancorado no coração do Mestre.
A qualidade do seguimento dos discípulos deve ser manifestada no uso da palavra pura, do olhar sem traves e do coração sem medidas. O cuidado com o próprio coração deve desviar o olhar da vida alheia e das escolhas incoerentes.
O olhar e a boca são puros somente se o coração for um tesouro. O olhar é expressão nobre do nosso interior. A boca é a revelação sublime das nossas emoções. O coração saudável revela um olhar sem traves. Assim, a intenção de Jesus é mostrar para seus discípulos que Deus possui um olhar sem traves porque Seu coração é um verdadeiro tesouro.
O olhar, as mãos, o coração e a boca ocupam todo o Evangelho. Quando temos um olhar travado, queremos tirar os ciscos daqueles que caminham ao nosso lado. Quando possuímos um coração empobrecido e miserável, ferimos os outros com a boca cheia de palavras mal-ditas. Uma palavra ruim e triste revela nossos raciocínios medíocres e nossas internas prisões. A palavra nos desnuda e revela nosso interior porque vem do coração. Todas as nossas palavras estão ligadas ao nosso corpo, à nossa alma, à nossa biografia, às nossas feridas, às nossas frustrações e aos nossos afetos. Nesse sentido, elas podem ser instrumentos de violência, de raiva, de calúnia e de manipulação gerando morte. Entretanto, um coração plenificado em Deus pode utilizar-se da palavra para ajudar, unir, reunir, aconselhar, acolher, misericordiar e amar gerando vida plena e abundante.
Senhor, dai-me um coração cheio de bondade como o Teu. Concede-me a graça de ver o mal que habita em meu próprio coração. Ensina-me a julgar-me e ao outro com Teu olhar compassivo e misericordioso. Que meu coração seja um tesouro para Ti e para os irmãos. Que minhas palavras sejam utilizadas para ajudar, unir, reunir, acolher, misericordiar e amar.
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