O Advento dos recomeços
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- há 28 minutos
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O Evangelho apresenta João Batista como o grande precursor de Cristo, aquele que, ao entrar na história, a transforma em história de salvação. Conduzido ao deserto e às margens do Jordão, torna-se a voz ardorosa que anuncia a conversão e oferece ao povo o perdão. Nesse ambiente de silêncio e despojamento, a graça divina lhe concede coragem e firmeza. Mateus, com tom solene, situa sua missão no cumprimento da profecia de Isaías: “Voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor.”
Em João, último profeta e primeiro testemunho do Messias, ressoa o anúncio que desperta o coração para um novo começo. Sua pregação convida a repensar atitudes e a acolher o Reino com simplicidade. As palavras dirigidas aos fariseus e saduceus revelam um alerta severo contra a prática religiosa centrada na aparência e no controle da vida alheia.
Toda religião tem observâncias legítimas, mas elas se tornam perigo quando deixam de promover a liberdade do coração. Mateus utiliza essas figuras para denunciar a tentação de transformar a Lei em ídolo ou o Templo em espaço de poder. Os fariseus tinham feito das prescrições um fim em si mesmas, e os saduceus absolutizavam estruturas e privilégios.
Esses grupos se aproximavam de João não por desejo de mudança, mas movidos pela curiosidade religiosa e pela justificativa ritual exterior. Queriam um batismo que afastasse a “ira divina”, não um caminho de renovação interior. Procuravam segurança espiritual, mas rejeitavam as exigências que o gesto de conversão implicava. Por isso, João os chama a olhar além das aparências e a dirigir o coração ao Senhor. Sua palavra não é mero convite a pensamentos positivos, mas à adoção de um modo novo de enxergar Deus e a própria vida. Sem essa mudança profunda, a conversão permanece inócua e estéril.
A figura de João também nos provoca a rever a própria vida para acolher o Deus que se aproxima. O anúncio do “Reino dos Céus” revela uma presença já atuante, que pede espaço entre nossas intenções confusas e nossos afetos desordenados. Muitas vezes, carregamos pesos que dificultam o caminho espiritual.
João, ao deixar o Templo e despir-se de privilégios, recorda que toda conversão passa por um despojamento concreto. Renunciar hábitos, papéis e seguranças pode ser o primeiro passo para reencontrar a liberdade interior. Assim, a mudança torna-se gesto real, não mera vontade. Não deve surgir da obrigação moral, mas a partir do encontro libertador com Cristo, cuja força supera qualquer rito exterior.
Converter-se é caminhar com Ele na realidade concreta, entre quedas, recomeços e amadurecimentos, reconhecendo que a conversão é estrada contínua e não meta imediata. A verdadeira mudança não está em nunca errar, mas em voltar ao caminho com sinceridade e coragem.
Esse processo nos leva a confrontar sombras, medos e pensamentos confusos que somente a luz de Cristo pode ordenar, esclarecer e iluminar. O Espírito nos guia para uma vida mais simples, bela e verdadeira. Assim, o anúncio da vinda do Senhor torna-se apelo transformador, capaz de renovar a história e a existência de quem nele acredita.
A voz de João Batista nos desperta, retomando a antiga promessa feita a Israel e anunciando que o Messias tão esperado está para chegar. Por isso, ele convoca à conversão: mudar a mentalidade, iluminar as trevas, purificar o olhar e preparar o coração. A vinda de Cristo inaugura um novo êxodo, semelhante ao caminho pelo qual Deus conduziu Israel pelas águas e pelo deserto até a terra prometida. Agora, é Cristo quem nos introduz em uma vida nova, mergulhando-nos na própria vida de Deus. Por isso João vem do deserto e se coloca junto ao Jordão, para recordar esse mistério. O essencial, porém, é deixar que Cristo nos mergulhe plenamente em sua vida, para que o Natal não seja apenas tradição exterior ou costume social.
Senhor, renova o meu olhar e reconduze-me ao primeiro amor. Purifica meus pensamentos e minha forma de perceber tua presença. Dá-me força para seguir no caminho da conversão, encontrando tua leveza e a vida nova que ofereces. Que tua graça me ajude a viver com mais simplicidade, coerência e fraternidade.


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