Memória curada, atenção redobrada e desejos nobres
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 28 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de fev. de 2021
A liturgia desse domingo nos enxerta no novo tempo litúrgico. Existe uma beleza que se esconde por trás desse novo tempo. A beleza dos novos inícios. E, na verdade, acho que nunca esperamos tanto pelos novos inícios do que agora.
Antes de passar diretamente ao Evangelho gostaria de dizer que o advento (o mês de dezembro) esse ano será diferente. Aliás, como foi diferente a nossa quaresma e a nossa Páscoa.
Todavia, temos uma ocasião singular de muitas possibilidades. É possível que neste fim de ano o nosso tempo seja investido em outras coisas. Talvez não vamos gastar muito tempo com as compras e as solenes ceias. De fato, é possível que este ano não seremos tão atormentados com o muito que teremos que preparar, pensar, arrumar, organizar. Nesse sentido, parece que esse ano o único presente que não vamos esquecer é aquele do menino Jesus. Sempre foi ele o grande festejado, porém, por incrível que pareça, sempre foi ele o grande esquecido. Com isso, renovemos no nosso coração que é a memória do Jesus menino que vamos celebrar. Já ouvi muitas vezes que o natal é o tempo mais cansativo, triste e angustiante. Sim, porque enchemos o natal com as lembranças tristes de um ontem difícil na nossa vida.
Ao invés de fazer a memória do Jesus menino, por vezes preferimos lembrar de coisas do passado, das faltas de outrora, das escolhas que não queríamos, das separações a que fomos obrigados, dos recursos que nos foram tirados e das pessoas que não mais estão aqui. Mas, o tempo do natal não é isso. Por isso, curemos a nossa memória para curar as nossas dores. Dito de outro modo, curemos a nossa memória para salvar a nossa vida.
Então, o natal é tempo de que? Posso dizer que o natal junto com o tempo do advento é a ocasião que fazemos duas boas memórias. A primeira memória é a própria encarnação, a vinda do Senhor na nossa carne. Ele veio habitar no meio de nós! Ele se fez um de nós. A segunda memória é a do futuro, a vinda do Senhor no tempo.
Sendo que a vinda do Senhor é já um fato escondido no meio de nós, então fazemos memória do nosso futuro. Assim, esse encontro de memórias revela a profundidade e a grandeza de um projeto histórico-salvífico no hoje da história. Deus nos salva no tempo com as suas adversidades e jamais fora dele. Por isso, podemos ainda declinar o sentido do advento como particípio passado. Ad-ventum significa aquele que já veio em nossa direção. O Senhor veio entre nós e nunca mais nos deixará.
Dessa forma, advento é a memória de um acontecimento que se torna presente. É um tempo que nos convida à ficar atentos para percebermos os vestígios de um Deus que está no meio de nós e realiza a sua promessa de permanecer conosco até o fim do mundo! Ora, o tempo da advento é o tempo dos nobres desejos e dos olhares novos.
Por essa razão, o convite geral do tempo do advento é vigiai. Num outro sentido, isso quer dizer ficai acordados. Desejem ver diferente! Estejam atentos! Com efeito, a atenção é a primeira atitude para não viver uma vida superficial. A atenção é uma oração. A atenção é a manutenção do presente, porém voltado para o futuro. Jogando com as palavras, posso dizer que no presente é já presente o nosso futuro. Enfim, a atenção é o cuidado do coração. Sim, tenha cuidado para que o seu coração não adormeça, viva nostálgico e perca a atenção.
Então, quando se diz “vigiai” se quer dizer ficai com os olhos sempre abertos para que quando vier o Senhor não vos encontre dormindo ou somente imaginando os projetos e construindo os programas, mas sem a coragem de iniciar os processos. A Palavra encarnada é um evento e não um projeto. E mais, ficai com o coração aberto para que quando vier o Senhor não vos encontre com o coração fechado.
E aqui vale uma “outra” crítica ou uma autocrítica: somos (sou) tão tentados em fechar o coração! Né? Por certo, porque a memória que estamos fazendo é equivocada. Como acabei de dizer, o foco da nossa memória muitas vezes não é o menino Jesus (nem a sua Palavra) e isso faz que o natal (o novo) seja triste e angustiante.
Assim, a vigilância que o Evangelho nos convida é a capacidade de ver no hoje o que muitos não veem. Essa também é a particularidade da fé. Vê o que os outros não conseguem ver.
Por isso, o homem de fé consegue olhar muito mais além. Consegue ver no presente a realidade do futuro. Logo, onde não existe sentido algum, o homem de fé sempre encontra algum sentido.
Para concluir, estamos sendo convidados a viver o tempo novo, um tempo cheio de Deus, um tempo cheio de Graça, o tempo do Senhor, consequentemente, cheio de esperanças, de desejos nobres, de atenções vigilantes, de silêncios falantes, de ternuras misericordiosas e, por fim, de memórias curadas.
Comentários