Eles estão no meio de nós!
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 5 de nov. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de nov. de 2022
O Evangelho das Bem-aventuranças nos ensina que a santidade não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas seguir diariamente o caminho que nos conduz ao céu e que nos leva à família de Deus. Hoje, celebramos os santos que nunca tiveram visões proféticas, nem mesmo sonhado com realidades metafísicas, nem sequer proclamado curas e milagres. Celebramos aqueles santos que não viveram espiritualidades “mágicas” e não massacraram seus corpos com os “prazeres” da penitência.
Esta solenidade faz memória de tantos santos e santas que não foram reconhecidos pela Igreja. Hoje, não recordamos apenas dos santos conhecidos ou daqueles a quem prestamos devoção. Fazemos memória do incontável número de testemunhos desconhecidos. Veneramos os santos que estiveram e que, ainda, estão no meio de nós! Aqueles que foram e são conhecidos nas particularidades de suas vidas tocando nossa história. Esses santos e santas não foram pessoas preservadas do pecado e das crises humanas. Pelo contrário, em suas fragilidades e vulnerabilidades durante a peregrinação terrena, souberam vivenciar a aventura do amor a Deus.
Diante disso, ser santo é um desejo que nos coloca numa crise existencial. A ideia que temos de santidade é por demais heroica, gloriosa e excepcional. Usualmente, as imagens dos santos possuem face angelical e sempre estão de mãos postas. Quando nos prostramos diante delas, acreditamos estar distantes dessas realidades, pois nos sentimos humanos demais e, por “desgraça” do destino, grandes pecadores, incapazes de atingirmos a santidade daquelas imagens.
Embora, diante da ideia “gloriosa” da santidade, a história da Igreja teve e tem a alegria de encontrá-los numerosos por todas as partes e culturas no mundo. Eles estão no meio de nós! Merecem nossa admiração, respeito e reconhecimento. Precisamos deles, pois sua presença em nossa vida é crucial e nos serve de prova concreta de que o Evangelho é uma notícia real, bela, que é possível de ser praticada. Os santos são importantes não apenas como intercessores, mas como inspiradores do amor, do serviço e dos autênticos ensinamentos de Jesus.
Criados à imagem e semelhança de Deus, somos capazes de amar. Dessa maneira, todo aquele que ama, consegue viver próximo a Deus, assumindo sua santidade e revelando-a aqui mesmo, na terra. A verdadeira caridade deve ser vivida com clareza e sem oportunismos, pois ela é a prova da presença de Deus em nós. Ser puro de coração significa ter o olhar divino sobre tudo e sobre todos. Bem-aventurado aquele que não tem dupla face, que não muda conforme as circunstâncias, que não brinca com o próximo adequando seu comportamento conforme às oportunidades. Quem vive a verdade, vive a paz e quem tem paz, propaga a paz.
Reconhecer os muitos santos ocultos é uma questão de olhar: “vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus!” (1Jo 3,1). O texto das Bem-aventuranças de Mt 5,1-12, inaugura o ensinamento de Jesus nos apresentando situações paradoxais nas quais, o discípulo é chamado a viver sem ceder à ditadura do fenômeno, pois os bem-aventurados são aqueles que não se deixam esmagar pelo peso da realidade, mas são capazes de renunciar as seguranças mundanas.
As oito Bem-aventuranças podem ser divididas em dois grupos. As quatro primeiras acenam para situações pessoais de necessidade. Há pessoas que carecem de alguma coisa: de grandeza e sucesso humanos, de consolo em suas tristezas, de forças para reagir, de justiça para reivindicar seus direitos. No entanto, na visão de Jesus, existem nessas Bem-aventuranças, o princípio da beatitude. Ao contrário, as outras quatro bem-aventuranças descrevem relações e ações que dizem respeito à felicidade encontrada quando vivemos atitudes saudáveis com os outros: são felizes aqueles que têm misericórdia dos outros e não se deixam levar a julgamentos precipitados; são felizes aqueles que têm um olhar puro sobre as mais variadas situações; são felizes aqueles que trazem paz e não conflitos; são felizes aqueles que são perseguidos porque buscam a justiça e não escondem a verdade.
A palavra utilizada por Jesus não indica meta e nenhuma recompensa resultante de um esforço individual. A santidade não é a busca de um perfeccionismo autorreferencial e nem o cumprimento virtuoso de leis que nos servem de garantia futura. Ela é a maneira original de viver o Evangelho. Por isso, Jesus usa um adjetivo indicando a maneira de estar nas diversas situações da realidade humana: no choro, no desamor, no desamparo e no desvalor. Esse é o paradoxo: a felicidade pode ser vivenciada em situações dolorosas de nossa história pessoal. Nessas situações criamos espaço para Deus, gerando esperança, fazendo crescer o amor e entendendo que a felicidade não é fruto do esforço humano, mas é a forma de corresponder o dom recebido.
A citação da exortação apostólica sobre a santidade do Papa Francisco é oportuna: “gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ao pé da porta, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da classe média da santidade” (GE 7).
A Igreja deve empenhar-se em viver a santidade. Somente assim, seremos significativos para o mundo. É preciso rever nossas “duras” posições, pois o mundo espera que não nos resignemos com uma vida desumana, irreal, hipócrita e medíocre. O mundo nos quer ver santos, de acordo com o Evangelho, ou seja, aceitando plenamente aquilo que é humano, pois Deus nos fez homens e não anjos. Admitir nossa fraqueza e nosso pecado é o primeiro passo para a santidade. Aceitar ser imperfeito e saber viver na imperfeição é um passo essencial. A ideia de santidade como algo distante daquilo que é humano é estranha à lógica de Cristo, do Evangelho e da fé cristã. A santidade é manifestar o mistério de Cristo através das nossas pluralidades, não simplesmente se encaixando nos moldes preestalecidos das coisas, mas nos envolvendo dentro do amor e da doação de Cristo. Toda essa ação é a ação que o Espírito Santo, o Espírito do próprio Cristo, faz em nós.
A melhor e mais desafiante aventura evangélica consiste em fazer as pazes com os anjos e com os demônios que nos habitam. Fazer a reconciliação com as luzes e as sombras que nos acompanham. O processo é de aceitação da nossa vulnerabilidade e da nossa frágil humanidade. Portanto, a santidade é a busca de uma humanidade integrada capaz de fazer comunhão com aqueles que habitam o céu.
Senhor, ensina-me a bem viver a aventura de ser santo. Criado à tua imagem e semelhança, necessito viver o dom de amar e doar a vida. Dai-me pureza de coração para ver todas as pessoas com os teus olhos misericordiosos. Ajuda-me a viver os meus processos de aceitação e reconciliação interior pois somente assim poderei viver uma humanidade santificada e santificadora.
LFCM.
Gratidão sempre… conversão diária me traz-no pensamento essas suas palavras. Paz e Bem🙏🏾🙏🏿🙏🏽