Duas dinâmicas de vida
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 16 de jul. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de ago. de 2022
O Evangelho de hoje nos revela que Jesus, no caminho em direção a Jerusalém, visitou uma casa de família: a casa de Marta e de Maria. Nesta narrativa há detalhes surpreendentes. Os discípulos não estavam na cena. Lázaro, o irmão de Marta e de Maria, provavelmente, o proprietário da casa, também, não estava presente. Naquela pequena casa da aldeia de Betânia, Jesus se encontra sozinho com duas mulheres. Ambas oferecem acolhimento ao Senhor, mas fazem-no de maneiras diferentes. Ao hospedarem Jesus, o cotidiano, a disposição e o ritmo das duas irmãs necessitaram ser reordenados.
Lucas apresenta-nos uma casa, dentro da qual ocorrem duas dinâmicas que manifestam a nossa própria interioridade. A disposição interior é uma abertura que coloca o coração de uma pessoa em harmonia com outra pessoa. É uma atitude que permite com que os vínculos humanos sejam mais profundos, fazendo com que os ritmos sejam estabelecidos de forma correta, necessária e tranquila. Além do mais, é uma atitude que reordena os afetos e é um processo que visa potencializar a qualidade espiritual da humana experiência religiosa.
Na disposição interior existe uma boa sintonia de sentimentos, palavras, gestos e ações; uma eficiente mediação entre experiência sensível e experiência cognitiva. Com efeito, essa é a condição fundamental para estar no discipulado de Jesus.
Ao entrar na casa, Jesus foi acolhido por Marta, uma mulher ativa, que se pôs a trabalhar para acolhê-lo e efetivar o discipulado. Maria, ao contrário da irmã, se colocou aos pés de Jesus para aprender o seguimento e receber novas orientações de testemunho da fé. Ela mostrou-se corajosa e audaciosa, manifestando uma forte e consciente subjetividade em seu discipulado. A atitude diferente de Maria, fez com que Marta reagisse irritada e autoritária: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” Por trás da reação de Marta, esconde-se uma doentia autorreferencialidade. Sua intervenção pode ser traduzida: “você não se importa comigo e não me ama incondicionalmente!”
Jesus chegou na casa de Marta sem avisar. Ele chegou como uma visita inesperada e parecia que ela não estava com a melhor disposição interior para receber um hóspede. Marta não estava disponível. Talvez estivesse sem paciência para escutar alguém. Então, preferiu dedicar-se a fazer algo para causar boa impressão e não ouvir a voz de Jesus. Ela preferiu ocupar-se com outras coisas para manifestar sua falta de tempo e sua indisponibilidade para receber o hóspede. Seus compromissos eram bons e socialmente apreciáveis, mas se tornaram o pretexto para que ela não estabelecesse uma relação profunda e verdadeira.
Na fadiga e no cansaço, Marta esqueceu o mais importante: a presença do hóspede, Jesus de Nazaré. Um hóspede não deve ser simplesmente servido e alimentado, mas deve ser ouvido, escutado... No entanto, o olhar de Jesus remete respeito à liberdade de escolha de Marta. Ela decidiu não ouvi-Lo. Entretanto, não tinha o direito de descarregar seu desconforto na irmã. Jesus não diz que a escolha de Marta é incorreta, mas esclarece que seu comportamento não pode ser aprovado, pois com a mesma liberdade, Maria escolheu ouvi-Lo.
A diferença entre as duas irmãs não está na dimensão contemplativa ou na dimensão ativa, mas na disposição interior para ouvir a Palavra do Senhor.
Marta se precipita num “fazer” que não nasce da observação atenta da presença de Jesus, e nem mesmo, da escuta interior de Sua Palavra. Ela se limita, apesar de sua boa intenção, a acolher Jesus no espaço exterior da sua casa, pois seu espaço interior não estava ordenado afetivamente. No entanto, Maria acolhe Jesus com disposição interior, ao ponto de abaixar-se aos pés Dele para escutá-Lo melhor. Seu espaço interior estava disponível para um novo afeto e em ordem para a chegada do Mestre. Marta ofereceu “coisas” a Jesus. Maria ofereceu a si mesma.
Colocar-se à disposição de Jesus para ouvi-Lo é professar a fé em suas Palavras. Caso contrário, com ativismo frenético, acabamos nos tornando protagonistas e senhores do discipulado. Marta dirige-se a Jesus chamando-o “Senhor”, mas esta invocação assemelha-se à invocação “Senhor, Senhor”, não acompanhada da escuta da sua Palavra (cf. Lc 6,46-49), tanto que Jesus a chama duas vezes: “Marta, Marta”. As palavras de Marta negam a declaração do senhorio de Jesus para afirmar, ao contrário, o senhorio dela sobre Jesus. Na sua reclamação, Marta faz uma chantagem emocional com Jesus. Sente ciúmes da irmã e a acusa de não lhe estar ajudando. Marta não fala diretamente com Maria, mas dirige-se a Jesus, reclamando do seu doloroso abandono.
A intervenção de Jesus não significa repreensão das atitudes "erradas" de Marta, mas um diagnóstico da sua disposição interior: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas!” Ao observar a agitação e a ansiedade de Marta, Jesus desejou dar novo ritmo às suas ações a fim de sintonizar sua relação com Ele, o Amor Incondicional.
Jesus desejou curar em Marta sua preocupação excessiva, sua ansiedade generalizada e sua atitude nervosa. Entretanto, ela não se dava conta de que criava mais obstáculos do que possibilidades. Ela construía mais barreiras do que disposição, gerava mais distanciamentos do que proximidades. Agitar-se, preocupar-se e inquietar-se eram os desvios que Marta tinha e que a não permitia estabelecer vínculos afetivos autênticos.
Portanto, o Evangelho de hoje nos ensina a hospitalidade e o acolhimento. Acolher é criar espaço para o outro. É compartilhar casa e comida, espaço e tempo, afeto e razão. Acolher significa fazer de si um espaço de escuta ao outro. Maria escuta a Palavra de Jesus e, por isso, é a imagem de uma hospitalidade que não se limita a acolher dentro de uma casa, mas que faz de sua própria pessoa uma casa para o outro. Eis a polaridade entre ação e relação: entre o fazer e o falar de Marta, fugindo de si mesma e sendo vítima diante da escolha da sua irmã e praticando seus afazeres domésticos está o silêncio de Maria, inclinada à escuta atenta às palavras do hóspede, recebendo-O com sua própria casa interior. Jesus tenta equilibrar o fazer (disposição interior) e o sentir (afetividade curada). Marta e Maria, mais do que duas pessoas, são duas atitudes, duas tendências que temos e somos na vida. Somos Marta quando vivemos um ativismo desenfreado, sem sentido, numa procura desordenada por nós mesmos. Somos Maria quando sabemos escutar de maneira harmoniosa, bem de perto, equilibrada, integrada e pacífica.
Senhor, ajuda-me a criar profundos e autênticos vínculos humanos. Reordena meus afetos e potencializa meu desejo espiritual de estar contigo. Dá-me verdadeira disposição interior para escolher ouvir a Tua voz. Ensina-me não descarregar meus desconfortos e frustrações nos outros. Cura-me de preocupações excessivas e de ansiedades mostrando-me e fazendo-me sentir que estar contigo é confiar, repousar, descansar e tranquilizar o espírito e as humanidades.
LFCM.