A verdade da partilha
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 1 de ago.
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Atualizado: 22 de ago.
O Evangelho de hoje começa com a cena de um homem anônimo que, levantando-se da multidão, pede a Jesus que resolva uma disputa de herança entre ele e seu irmão. Este episódio é exclusivo do Evangelho de Lucas e não possui paralelos nos demais evangelistas sinóticos. Diante do pedido, Jesus responde com firmeza: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?”. Jesus não despreza o valor da justiça, mas deixa claro que sua missão não é servir como juiz em conflitos movidos por interesses egoístas.
Ele prefere conduzir seus ouvintes a uma reflexão mais profunda: a vida não depende do que possuímos, mas do quanto somos capazes de partilhar. A existência cristã se define não pela posse, mas pela generosidade.
Jesus percebe que, por trás do pedido daquele homem, não há um anseio sincero por justiça, mas sim uma ganância disfarçada. Ele então propõe uma parábola para desmascarar o verdadeiro desejo do coração humano: a "Parábola do Rico Insensato". Nela, o protagonista é um homem que teve uma colheita abundante e, em vez de pensar na partilha, decide ampliar seus celeiros para guardar ainda mais. Confiante no acúmulo de seus bens, diz a si mesmo: “Descansa, come, bebe e aproveita!”. Porém, Deus o surpreende com a verdade última da vida: “Insensato! Ainda nesta noite pedirão de ti a tua alma”. A loucura do rico está em viver como se fosse dono do tempo, da vida e do futuro, ignorando a transitoriedade da existência.
A resposta de Jesus sai do nível externo da disputa e vai direto ao coração, onde nasce a ganância. “Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, pois, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). A ganância, ensina o Evangelho, nasce do coração e é comparável à idolatria.
O homem rico é um prisioneiro de si mesmo. Vive cercado por pessoas, mas não se relaciona com ninguém. Acumula para si, mas permanece pobre de vínculos, de amor e de sentido. Tudo o que possui serve apenas à exaltação do próprio “eu”, que se torna o único centro de sua vida.
A linguagem da parábola reforça essa autossuficiência ilusória: os verbos no imperativo ("descansa, come, bebe, aproveita") revelam o falso domínio que ele julga ter sobre sua existência. Os verbos no futuro ("vou derrubar, vou construir, vou guardar") indicam um projeto voltado exclusivamente ao acúmulo. E os pronomes possessivos ("meus celeiros, meu trigo, meus bens") denunciam um coração egoísta, incapaz de viver o “nosso”.
Acreditando controlar tudo — o tempo, a vida e até sua alma — o homem rico se fecha em um mundo onde Deus e os outros são irrelevantes. Sua riqueza, longe de ser bênção, torna-se prisão. Ao reduzir tudo a objetos — inclusive a si mesmo — ele desumaniza a própria vida.
A parábola culmina na pergunta incisiva de Deus: “E o que preparaste, para quem será?” (Lc 12,20). O que parecia concreto se revela ilusão. O insensato acreditava que a vida consistia em acumular, mas esqueceu-se de viver para o essencial: Deus e o próximo. Jesus encerra a parábola com uma advertência: “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si, mas não é rico diante de Deus” (Lc 12,21). Essa mensagem nos desafia, pois a figura do homem rico não está distante de nossos próprios desejos, medos e projetos.
Por fim, Jesus aponta o caminho da verdadeira sabedoria: ser “rico diante de Deus”. Isso implica um coração livre, capaz de partilhar, acolher, perdoar e amar. Os verdadeiros bens que enobrecem a vida são a justiça, a solidariedade, a fraternidade, a generosidade e a paz. O problema do rico não foi ter produzido muito, mas ter acumulado tudo apenas para si, esquecendo-se de Deus e dos outros. A parábola convida cada um de nós a refletir sobre onde colocamos nosso coração, quais relações queremos e que tipo de riqueza estamos buscando. Quando superamos o “meu” e abraçamos o “nosso”, tornamo-nos verdadeiramente ricos aos olhos de Deus, pois a riqueza partilhada é sinal da bênção divina.
Senhor, ensina-me a buscar as riquezas que não se corroem, aquelas que têm valor eterno aos Teus olhos. Livra-me da ganância que fecha meu coração, do egoísmo que me isola, e da ilusão de que a vida se sustenta apenas no que se possui. Dá-me um coração sensato, livre e generoso, capaz de ver o outro, de partilhar o que tenho, de construir relações em vez de muros. Amém.
Bom Dia Frei!! Obrigada por enviar palavras q nos mostram o caminho de estarmos mais perto do Senhor. Paz e Bem!!!