A terapia de Jesus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 29 de jul. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 3 de ago. de 2023
Para seguir adiante na nossa caminhada somos convidados a tomar decisões importantes. Em toda escolha está inerente a dúvida que exige discernimento e novas atitudes. O evangelista Mateus, vendo que sua comunidade estava passando por um momento decisivo, recordou outras parábolas de Jesus. Nelas vemos que a escolha pelo Reino garante uma realização plena agora e no futuro. O discípulo torna-se bom quando não se deixa levar pela força dos movimentos diante dos processos da história.
Hoje, a partir do evangelho de Mateus, concluímos os versículos dedicados às parábolas. Elas nos apresentam uma linguagem simples, comum, próxima despertando o dinamismo da fé na escolha das novidades do Reino. As parábolas nos convidam a meditar sobre o valor e grandiosidade do Reino do Céus. Por meio delas, Jesus traz propostas implicativas que não precisam de preparação racional demais para entendê-las. Elas são transparentes e sem contornos catedráticos.
Quando Jesus descreve o Reino dos Céus, Ele nos mostra situações e contextos que nos ajudam a compreender a experiência do Reino. O entendimento das parábolas nasce da escuta do coração. Por isso, nelas encontramos a metodologia terapêutica de Jesus. Ele dá novo entendimento aos seus discípulos através de histórias que despertam surpresas, aberturas e possibilidades.
As duas primeiras parábolas apresentam características similares e utilizam verbos que se abraçam: encontrar, ir, vender e comprar. As parábolas do tesouro escondido ou da pérola procurada trazem convites para descobrir o que somos e quais são os nossos desejos. Tanto o tesouro quanto a pérola estão sempre presentes. Apenas precisamos descobri-los! Há um “tesouro” escondido no campo. Somos movidos, percorremos caminhos novos e gastamos energias no anseio de encontrar esse tesouro. No entanto, ele não é algo que simplesmente nos falta ou que está distante de nós. Esse tesouro está escondido no nosso interior. Quando encontramos nosso verdadeiro valor e intuímos quais percepções são reais, tudo vai se tornando secundário.
Em nosso amadurecimento e em nossa descoberta vamos percebendo que as preocupações de ontem não são mais as atuais. Por isso, quando encontramos nossos tesouros interiores recebemos fonte de renovação, sabedoria de vida, fecundidade e criatividade. Os nossos tesouros interiores são forças construtivas que nos sustentam no caminho e que nos permitem fazer novas escolhas. Neste sentido, somos convidados a perceber e a tomar consciência dos imensos dons que recebemos de Deus.
A parábola de Jesus nos diz que o Reino dos Céus é semelhante ao tesouro encontrado e ao comerciante que procura pérolas. O Reino dos Céus já está presente em nossa vida, mas é necessário encontrá-lo a cada amanhecer. Os bens não são vendidos para encontrar o tesouro ou a pérola, mas é a partir do encontro que se vende os bens. A decisão de vender, tomada pelo agricultor e pelo comprador, é posterior ao encontro do tesouro e da pérola.
Dessa forma, Jesus nos propõe que a “renúncia” aos bens não é um meio para alcançar o Bem Maior, mas é uma consequência de tê-lo encontrado. Aqui está a delicadeza e a sensibilidade do Mestre: a exigência para viver o Reino é uma consequência do encontro com Ele.
Ao contrário do agricultor que se depara com um tesouro por acaso, o comprador encontra a pérola após uma exaustiva busca. A primeira descoberta é resultado da sorte, enquanto a segunda da busca e do árduo trabalho. A imagem do agricultor revela que na caminhada ele descobre um Bem Maior. O comportamento do comprador é a imagem do homem que busca com paixão sentido para viver e para encher seus dias de alegria. As duas parábolas completam-se: o Reino de Deus é dom gratuito e fruto do trabalho humano. É dom que exige uma resposta comprometida e coerente.
Na parábola da rede lançada ao mar, encontramos o aspecto da escolha. Nós somos como o pescador que lança a sua rede ao mar. Há um tempo para pescar e um tempo para avaliar as diversas qualidades de peixes que foram pescados. Há peixes bons e peixes ruins. Na história da nossa vida jogamos muitas “redes” e podemos pescar muitos “peixes”, porém é sempre necessário escolher os peixes que nos alimentam jogando fora os que não prestam. Isso exige um profundo discernimento e uma delicada escolha. Tantas vezes precisamos deixar pessoas e coisas, pois discernimos que elas não nos são mais alimentos saudáveis.
As parábolas terminam com a pergunta de Jesus: “Compreendestes tudo isso?”. A renúncia é um direcionamento dos pensamentos, da atenção, dos interesses e dos esforços por ter encontrado algo maior e melhor. A escolha é uma opção a ser abraçada, um caminho de compreensão. Mesmo que haja dúvidas sempre é preciso escolher o melhor. O discernimento é um itinerário de perseverança diante das dúvidas e é uma abertura à voz de Deus que fala no nosso interior. A renúncia, a escolha e o discernimento são consequências do encontro com algo maior, melhor, consigo mesmo e com as coisas que verdadeiramente valem a pena serem vividas.
Aprender a discernir significa enfrentar novas situações de vida à luz da experiência e da inteligência. O discernimento coloca nossas decisões numa base estável. No entanto, ele nunca eliminará a possibilidade dos riscos que inevitavelmente pertencem à condição da vida humana. A compreensão da vida nos ajuda tirar coisas velhas e coisas novas do interior do nosso coração. Sem este caminhar, nunca nos tornaremos discípulos, mas permaneceremos repetidores moralistas das palavras de Jesus. Não basta conhecer as normas, os preceitos e as regras. É preciso ter sabedoria para aplicá-las nas situações reais da vida.
Senhor, ensina-me a discernir diante dos processos da vida. Ajuda-me a percorrer os caminhos novos e gastar energias para encontrar o “tesouro” e a “pérola”. Que as descobertas dos bens preciosos faça com que todas as coisas tornem-se secundárias. Ajuda-me a entender que os meus tesouros interiores são forças construtivas que me sustentam no caminho. Ilumina-me nas escolhas que verdadeiramente devem ser abraçadas por mim.
LFCM.
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