A síntese das relações
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 26 de jul.
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Atualizado: 1 de ago.
Na caminhada para Jerusalém, Jesus parou e se dedicou à oração. A oração era uma prática constante em sua vida, e todas as suas ações eram marcadas por momentos de íntima comunhão com o Pai. Esse estilo de vida piedoso chamava a atenção dos discípulos, que expressaram o desejo de aprender a rezar. Em todos os evangelhos, essa é a única vez que os discípulos pedem que Jesus lhes ensine algo.
A oração de Jesus, diferente da dos mestres da época, revelava o vínculo profundo e afetuoso que Ele mantinha com Deus. Ele não ensinava a rezar como um dever religioso, nem como forma de aplacar a ira de um Deus onipotente e distante.
Os discípulos já sabiam rezar, conheciam as fórmulas tradicionais do judaísmo, mas queriam experimentar a mesma força e intimidade que viam na oração de Jesus. Assim, após revelar seu mistério como Filho e irmão, Jesus confiou aos discípulos um dos dons mais preciosos de sua missão terrena: a oração do Pai-Nosso.
Ao responder ao pedido deles, Jesus não ofereceu uma definição teórica de oração, nem ensinou técnicas para alcançar uma espiritualidade eficaz. Em vez disso, convidou seus seguidores a entrar diretamente em comunhão com o Pai, por meio da experiência orante. Jesus não quis inaugurou uma nova fórmula de oração, mas propôs um novo jeito de se relacionar com Deus e com o próximo.
No Evangelho de Lucas, a oração é breve e estruturada em cinco pedidos. Os dois primeiros estão em continuidade com a tradição judaica: a santificação do Nome de Deus e a vinda do Reino. Em seguida, vêm três súplicas relacionadas às necessidades fundamentais do discípulo: o pão de cada dia, o perdão dos pecados e a libertação da tentação. A oração cristã é simples, sem muitas palavras, mas carregada de confiança em Deus. O texto de Mt 6,9-13 apresenta sete pedidos e o de Lc 11,2-4, cinco. Das três versões, a de Lucas é a mais abreviada e considerada a mais próxima das palavras originais de Jesus. Ela é a síntese de todas as orações. A originalidade da oração de Jesus está na relação filial e confiante com o Pai — não na lista de súplicas.
Como explicação para o conteúdo da oração ensinada, Jesus contou duas pequenas parábolas: a do amigo importuno e a do pai terreno. Ambas queriam explicitar a proximidade do Deus-Pai e a necessidade da perseverança da comunidade na oração. Jesus afirma nessas parábolas que a vida do discípulo é um saber pedir, saber procurar e saber bater. Mas isso exige discernimento: muitas vezes pedimos de forma errada, procuramos nos lugares errados e batemos em portas inadequadas. A ousadia e a eficácia da oração cristã estão justamente na sua capacidade de nos transformar, espiritual e existencialmente, gerando em nós conversão afetiva e efetiva.
O Pai-Nosso é uma oração que nos situa no horizonte da filiação divina e da fraternidade humana. Por isso, a oração de Jesus é muito mais que uma grande oração de petição. É a síntese das relações de um ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com a própria criação.
Somente pode chamar Deus de Pai quem aceita ser filho. E esse lugar de filho nos foi dado pelo Filho, nosso irmão. Por Ele e com Ele, dirigimo-nos ao Pai. É somente em Jesus que aprendemos a forma correta de voltar-nos a Deus. Aprender a rezar é também aprender a ser irmãos. Só podemos dizer "Pai-Nosso" se reconhecermos que somos todos filhos do mesmo Pai. Ao nos voltarmos a Deus em oração, reencontramos nossa origem como filhos e nossa essência como irmãos.
O ser humano só é capaz de desejar Deus porque Deus, por primeiro, se inclina com benevolência à nossa realidade humana e acolhe nossos desejos mais profundos. Aproximamo-nos d’Ele porque Ele já se aproximou de nós. Podemos nos dirigir a Deus porque Ele está no meio de nós.
A oração não é dirigida apenas ao “Pai-nosso que está nos céus”, mas também ao “Pai-nosso que está na terra”, presente no cotidiano, nas relações humanas, nas realidades concretas da vida. O Pai-Nosso torna-se, assim, um ponto de encontro entre o céu e a terra. A verdadeira oração cristã acontece quando nos colocamos na condição de filhos. Rezar é reconhecer-se como filho de um Deus que é Pai — e que só pode ser nosso porque somos todos irmãos. O Pai-Nosso não é apenas uma fórmula a ser decorada e repetida diante de um mestre todo-poderoso, mas uma forma de vida, um caminho para assimilar, dia após dia, a filiação divina e a fraternidade universal. Ao rezarmos essa oração, nossas inquietações se transformam em desejos sinceros, e esses desejos, em verdadeira oração.
Pai de amor e de misericórdia, que estás tão perto de nós, ensina-nos a rezar com o coração de filhos e com o espírito de irmãos. Que o teu Nome seja santificado na simplicidade das nossas palavras e na verdade dos nossos gestos. Ajuda-nos a reconhecer-Te não apenas como Pai que está no céu, mas como Pai que caminha conosco na terra. Ensina-nos, Senhor, que só podemos dizer "Pai-Nosso" quando somos capazes de viver como irmãos. Amém.


Uma reflexão excelente e ao alcance de todos
Bom Frei, Paz e Bem!!
Gratidão por me enviar palavras q me abrem caminho para estar mais perto de Deus-Pai.