A saída criativa
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 20 de set.
- 3 min de leitura
A passagem do Evangelho de hoje, exclusiva do evangelista Lucas, apresenta uma narrativa intrigante e paradoxal que desafia a lógica convencional da moralidade. O mais surpreendente é o elogio de Jesus a um administrador desonesto. À primeira vista, isso pode nos causar desconforto. No entanto, é necessário compreender além da aparência. O Mestre não está legitimando a corrupção ou a desonestidade. Ele destaca a astúcia e a capacidade da ação diante de uma crise iminente.
Essa parábola é um convite aos discípulos e a todos nós, cristãos, para vivermos o Evangelho com ousadia e discernimento, rompendo com tradições medíocres que não libertam e não geram vida nova. Esse texto é considerado um dos ensinamentos mais difíceis e surpreendentes de Jesus.
O administrador, ao ser acusado de má gestão dos bens de seu senhor e ciente de que seria demitido, age com rapidez e lucidez. Ele não se prende ao passado, nem se paralisa com a culpa. Ele, antes, reflete e age com perspicácia. Sua estratégia de reduzir as dívidas dos devedores busca garantir futuro seguro convertendo relações comerciais em vínculos de gratidão. Jesus, ao elogiar essa atitude, destaca a capacidade de agir com sabedoria no tempo oportuno.
A chave da parábola está na habilidade de discernir a realidade e encontrar a saída criativa. O administrador demonstrou compaixão pelos que estavam endividados, utilizando recursos considerados injustos para conquistar amigos. Em vez de focar no aumento dos lucros de seu patrão, ele optou por valorizar aquilo que é duradouro.
Essa narrativa nos provoca rever nossa relação com os bens, com o tempo e com a própria vida. Tudo o que temos - afetos, talentos, saúde, recursos - é dom, é graça. Não somos donos de nada, apenas administradores temporários. O administrador da parábola decide usar o que ainda possui para cultivar algo que o dinheiro jamais poderá comprar: relacionamentos verdadeiros, acolhimento e, por fim, uma morada na eternidade. O Mestre ensina que o valor dos bens está no uso equilibrado e generoso em favor do próximo, especialmente, dos pobres e dos necessitados.
Nesse sentido, a astúcia do administrador é elogiada, pois ele realiza um movimento de conversão, ainda que ela seja parcial. O administrador passa da lógica do acúmulo para a lógica do dom, do controle para a confiança. Jesus então lança um alerta: “os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lc 16,8). Ou seja, os que vivem segundo os critérios do mundo mostram-se mais decididos e realistas do que aqueles que dizem viver segundo a fé.
O administrador percebe que, diante da transitoriedade dos bens materiais, apenas os vínculos humanos, marcados pela misericórdia, permanecem. Apesar de desonesto, o administrador fez a escolha certa no momento decisivo: em vez de servir ao dinheiro ajudando seu patrão a acumular riquezas, preferiu ajudar os endividados e, assim, mesmo sem perceber, serviu a Deus.
A localização desta parábola no Evangelho de Lucas é relevante, pois ela vem logo após as parábolas da misericórdia (Lc 15). Isso indica sua conexão com o perdão e com a generosidade. O administrador, mesmo em sua condição de falência moral, opta por um caminho de reconciliação. Ele investe nas pessoas. Entende que servir a Deus é reconhecer-se como administrador de dons que nos serão pedidos de volta. A grande lição está no versículo 9: “Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas”. Trata-se de fazer do efêmero algo que contribua para tornar-se eterno.
Por fim, a parábola propõe uma reflexão sobre o que fazemos quando nos deparamos com crises ou fracassos. O administrador nos ensina que sempre é tempo de reagir com lucidez. Sua pergunta - “Que farei agora?” - deve ecoar em cada um de nós. Não basta reclamar ou justificar-se. É necessário reconhecer a realidade e encontrar uma saída criativa. O Evangelho nos chama a transformar a vida com decisões concretas, usando os bens com inteligência a fim de cultivar o que realmente importa: relações humanas e vivência radical do amor.
Senhor, Tu que conheces os corações e sondas as intenções, ensina-me viver com sabedoria, coragem e discernimento. Livra-me do apego às riquezas que passam abrindo meus olhos para os autênticos laços de amizade, para o serviço ao próximo e para a comunhão contigo. Dá-me a lucidez do administrador para agir com inteligência encontrando uma saída criativa que seja capaz de reconstruir a vida.


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