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A salvífica gratidão

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 8 de out. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 11 de nov. de 2022

Para chegar em Jerusalém - a cidade santa - Jesus decide atravessar a Samaria e a Galileia. A travessia parece ilógica, mas esconde uma intenção. Ele quer passar por lugares identificados pela infidelidade (Samaria) e pela ignorância da fé judaica (Galileia). Quer encontrar aqueles que estão perdidos ou se sentem perdidos, ou ainda, os que foram excluídos e não conseguem sair sozinhos de suas periferias existenciais, lugares de exclusão, da distância, da inimizade e da infidelidade. Com efeito, para Deus não existem caminhos impossíveis de serem atravessados. Ele é Aquele que permanece fiel: “Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo”.


Nessa travessia, acontece um fato estranho. Ao encontro de Jesus vão dez leprosos. Eles gritam a uma só voz: "tem compaixão de nós!" É um grito simples e breve que enfatiza a miséria daqueles homens. Eles têm em comum, uma doença terrível, altamente contagiosa, que pode ser fatal obrigando-os serem isolados da comunidade. Embora unidos pela fé incerta e imatura, desejam obter a graça e de se libertarem da vergonha que aquela doença lhes trazia. De fato, a lepra era considerada um castigo divino e sinal evidente de grave pecado cometido. Eles eram impuros à nível cultural. A doença, associada ao pecado, era um sinal de exclusão religiosa. Mesmo diante disso, eles vão confiantes para Aquele que pode curá-los chamando-O de Jesus: “Deus salva”. A narrativa quer dar mais ênfase ao comportamento dos leprosos do que à ação terapêutica de Jesus. A recuperação da saúde deles se torna reintegração na sociedade, no espaço familiar e na comunidade religiosa. Se fossem curados, eles não seriam mais rejeitados e excluídos.


A dor e a exclusão os uniu, reuniu, fortaleceu e criou solidariedade no gesto de pedir compaixão. A imagem revela a ideia de uma comunidade doente, uma humanidade enferma que procura ajuda. Jesus ao vê-los, aponta um caminho e meta diferente: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Essa ordem parece um pouco enigmática e absurda. Aproximar-se do sacerdote e entrar no Templo era impensável e impossível. Os sacerdotes e o Templo eram preservados de qualquer contato com situações, pessoas e ambientes impuros. Num primeiro momento, parecia que Jesus não atenderia o grito dos leprosos. Mesmo assim, eles escutam a ordem dada por Jesus e O obedecem caminhando em direção ao sacerdote. Jesus não os manda embora, mas, acolhe o clamor confiante dos dez homens quando pediram compaixão.

Mesmo não sendo tocados para a cura, os leprosos confiam na Palavra de Jesus e seguem adiante: “enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados". A lepra desapareceu e se tornaram puros. A cura não acontece instantaneamente, mas exige confiança e caminhada.

A resposta de Jesus estava completamente em seu olhar: “Assim que os viu, disse...”. Ele vê a doença, a condição dolorosa de serem excluídos das relações familiares e sociais, da vida religiosa. Além do sofrimento, Jesus vê a confiança e a fé, e, por isso, solicita que fossem ao encontro dos sacerdotes no Templo, recolocando-os confiantes para enfrentar as relações sociais. A primeira cura da exclusão e da rejeição é acreditar que se pode ser aceito novamente mediante a restituição da confiança. O processo de cura não é iniciado na dimensão física, causada pela lepra, mas na dimensão existencial, no sentir-se acolhido, respeitado, amado e aceito. A cura nem sempre ocorre como se espera e com métodos que se deseja.


O sentido deste Evangelho é magnífico. Jesus diz: “não tema, não acredite que a 'impureza' te proíba de aproximar-se de Deus. Vai, caminhe e acredite”. A estrada é aberta para quem decide caminhar. Mesmo com uma história pessoal marcada por fragilidades e sombras interiores, quedas contínuas e erros frequentes, podemos nos aproximar de Deus para receber a Vida. O processo deve ser iniciado de forma consciente. “Enquanto iam, foram purificados”. A cura, a recepção da Vida divina, acontece no caminho, durante o lento progresso da nossa história. O importante é caminhar, prosseguir e não ser paralisado por culpas inúteis e por exclusões estéreis.


Se o olhar de Jesus conduziu os leprosos para caminhar rumo aos sacerdotes, um outro olhar, o do samaritano sobre si mesmo, o coloca no caminho de volta para Jesus: “Vendo-se curado, ele voltou louvando a Deus”. O samaritano ao ver-se curado, soube distanciar-se de si mesmo e considerou o que havia acontecido no encontro com Jesus. Ao voltar-se, o samaritano faz memória da salvação e torna-se agradecido. Este homem não se contenta apenas em ter obtido a cura por sua própria fé, mas atinge sua plenitude ao voltar para expressar gratidão pelo dom recebido. Esse leproso não continua mais o caminho para ir ao encontro dos sacerdotes, mas volta para Jesus, glorificando a Deus, porque compreendeu que não é no templo que está a presença de Deus, mas no próprio Jesus, do qual pode receber não apenas a cura, mas a salvação e a plenitude da Vida. Voltar-se sem ir ao templo significa professar a fé em Jesus que é o verdadeiro Templo e o verdadeiro Sacerdote. E Jesus pronuncia o oráculo da salvação: “Levanta-te e vai, a tua fé te salvou”.

A verdadeira adoração está na relação com o Senhor Jesus. O reconhecimento da presença de Deus em Jesus, faz com que o samaritano se prostre e dê graças pela cura recebida.

Na narrativa do Evangelho, somente o leproso que volta para agradecer é salvo, os outros foram apenas curados. A salvação é assumida pela fé e pela gratidão, embora seja um samaritano, ele confiou e foi grato pela Palavra de Jesus. A cura e a salvação são dois movimentos que deveriam acontecer juntos. Assumir e aceitar que no caminhar somos curados e salvos é o desafio da nossa fé. Essa fé fervorosa e agradecida, que coloca a glória de Deus antes de nós mesmos e de todos os outros bens. A diferença entre os nove e o samaritano consiste em ser capaz de ver e responder. A diferença é simplesmente humana, pois a gratidão ocupou o primeiro lugar da vida salva e curada. Somente um retornou para dar graças e se deixou expandir pela gratidão. Os outros nove, sentiram-se na obrigação de cumprir o que a lei determinava e apenas voltaram fazer parte da instituição religiosa e social.


A história de Lucas não se limita numa lição elementar de educação. Há um detalhe que a torna mais rica e significativa. O protagonista da gratidão é um estrangeiro, um samaritano, “herege”, alguém que para o judeu era um ser espiritualmente atormentado. No contexto da época, esse leproso samaritano estava duplamente atormentado espiritualmente e fisicamente. No entanto, naquele grupo de leprosos havia lugar para ele. Enquanto eles compartilham a mesma dor, não havia vestígios de divisões entre os dez. A dor os uniu tornando-os irmãos. Entretanto, quando adquiriram saúde, as divisões do passado reapareceram e um deixou de pertencer àquele grupo dos homens que tinham sido excluídos, mas que apenas desejavam voltar ao caminho da vida religiosa para cumprir a Lei. A relação com Jesus para eles não era significativa, o importante era cumprir os rituais de purificação.


Para o samaritano curado e salvo aconteceu o verdadeiro milagre. Jesus transformou sua exclusão em eleição. Excluído pelos “eleitos”, mas elogiado por Jesus. Com isso, ele se torna um personagem exemplar, não apenas pelo fato de ter dito “obrigado”, mas por tê-lo feito antes de obter dos sacerdotes o atestado da cura e a reintegração na sociedade. Somente quem não está "acostumado", consegue maravilhar-se e voltar a Jesus para Lhe agradecer. Todos foram curados, mas somente um foi curado e salvo. A cura foi para o samaritano ocasião de algo novo, seu encontro com Jesus. Antes da lei, do templo, dos sacerdotes, das regras está Jesus. Antes de caminhar até templo de pedra, onde se celebrava a cura, o mais importante foi ajoelhar-se diante de Jesus, o Templo de Deus que além de curar, salva e dá a Vida.


Senhor, ajuda-me a atravessar os caminhos que me trazem medo dando-me coragem para Te chamar quando meu pecado tentar me colocar à margem. Ensina-me a confiar em sua Palavra mesmo quando ela pareça ser impossível de se concretizar. Dá-me a graça de acreditar que posso ser aceito mesmo quando a sociedade tentar me marginalizar. Dá-me consciência para decidir caminhar. Ensina-me a olhar sobre mim tornando-me capaz de voltar a Vós. Conceda-me fé e gratidão para receber a cura e a salvação.


LFCM.

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1 comentário


Marcia Severo
Marcia Severo
09 de out. de 2022

Bom Dia Frei, emocionada te escrevo. Quero sempre ser grata a Jesus por me receber todas as vezes q me arrependo dos meus pecados e por Ele me indicar o caminho da verdade. Obrigada frei por essas palavras de conforto e sabedoria. Paz e Bem.

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