A revolução cristã
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 19 de fev. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de fev. de 2022
No ápice do discurso da planície, Jesus revelou a “carta magna” do seu Evangelho. Após o discurso sobre as Bem-Aventuranças, Ele continuou pregando de modo forte e denso. Em todas as circunstâncias, o que movia Jesus era sua misericórdia que proporcionava o entendimento do desejo do coração dos seus interlocutores e que dava resposta às necessidades autênticas.
Para a multidão que O procurava, vinda de todos os lados, Jesus expôs a regra fundamental para o seguimento: “Amai os vossos inimigos”. A princípio, não havia dúvida, de que essa regra mostrava-se demasiadamente irreal e injusta, além das capacidades humanas.
Jesus tinha o objetivo de dar uma forma aos seus seguidores, não apenas melhor, mas uma forma diferente. Distinguir um seguidor de Jesus tornava-se o princípio fundamental da proposta evangélica, pois Ele desejava que os seus seguidores pudessem dar passos maiores em relação ao amor e ao bem: “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? E se emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis?”.
No centro da mensagem, Jesus confrontava aqueles que O seguiam com palavras difíceis de serem pronunciadas. Ele propunha horizontes nunca antes vistos e convidava a percorrer caminhos ainda não traçados: “ame os teus inimigos, abençoe quem te amaldiçoa, faça sempre o bem e empreste a quem não te pode restituir”. A proposta parece romântica: amar o não amável e perdoar o imperdoável. No entanto, é a forma revolucionária de viver e de amar.
É a lógica do “mais” motivada pela própria ação de Deus. O amor ao inimigo não é um simples convite do amor ao próximo, mas uma exigência fundamental, paradoxal e escandalosa. As palavras de Jesus são claras: não servem como opção, mas como ordem. Não é para todos, mas para os discípulos, aos quais Jesus chama “vós que escutais”. A diferença do ser discípulo consiste no modo de tratamento para com todos: amigos e inimigos, iguais e diferentes.
Passava-se da regra de ouro negativa, ensinada pelo Antigo Testamento: “não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você” à regra de ouro positiva: “o que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”. O desejo que de sermos amados, abençoados e perdoados é a motivação para amar, abençoar e perdoar. Receber misericórdia e fazer misericórdia são dois movimentos conexos e pertencentes ao mesmo núcleo, ou seja, funciona com a mesma força em todas as direções. A regra de Jesus é clara: o que queremos para nós é o que devemos desejar e dar para o outro. Dessa maneira, a generosidade da misericórdia é que devolve ao homem a sua liberdade, dignidade e própria verdade.
O inimigo é especificado como aquele que odeia, amaldiçoa, maltrata, calunia e expressa sua inimizade com violência física, roubos e reivindicações. Obviamente, a inimizade encontra infinitas formas de se expressar. A indicação que emerge das palavras de Jesus manifesta uma ação positiva. O modo de mostrar-se mais forte do que a violência sofrida é o gesto de passar da reação à ação.
Ao amar o inimigo, ofereço-lhe a possibilidade de ser uma pessoa melhor, tirando dele a forte violência que empurra o seu coração para o mal. Somente assim, amando sem ser amado ou reciprocamente, fazendo o bem sem recompensas e doando sem desejos ou interesses próprios pode-se viver a "revolução do amor".
O fundamento do discurso e de todo o Evangelho de Lucas pode ser resumido no versículo: “sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. Todo o Evangelho de Lucas é uma variação, uma re-proposição dessa expressão. Quando consideramos a raiz etimológica da palavra misericórdia vemos que ela deriva de coração, se trata de uma virtude, tendência, qualidade intangível de caráter que nasce do coração e não da razão. Podemos dizer que é uma experiência que consiste no assumir a dor do outro e na profundidade do ser para o outro. De fato, o centro do sentimento, páthos é o coração, fundamento da antropologia bíblica.
A misericórdia é sentimento mais humano do que religioso. Diante do sofrimento, todos sentimos emoção e necessidade de agir. A misericórdia é o coração da fé cristã. Entretanto, ficamos presos à lógica do pecado, da justiça, do castigo e do arrependimento. A misericórdia é a revelação de um excesso e de uma superabundância. Desse jeito, a misericórdia é dar ao outro aquilo que ele não merece e, por isso, ela é a superação da justiça. Não é a conversão do homem que revela a misericórdia de Deus, mas a misericórdia de Deus que ajuda a conversão do homem. Com isso, Jesus transforma o mandamento do Antigo Testamento, “sede santos, porque eu sou santo” (Lv 19, 2), em “sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso”. É redescobrindo a grandeza do perdão ilimitado de Deus que compreenderemos que o perdão não se confecciona numa “indústria farmacêutica”, mas se aprende com o próprio Deus.
A misericórdia comporta quatro estágios: a empatia, a suspensão do julgamento e da medida pessoal, a permissão para que o outro possa revelar livremente sua própria dor e o sofrer com o outro. As principais metas para sermos autênticos mediadores do rosto misericordioso de Deus são: a compaixão pelo homem, o acolhimento da liberdade humana e a não-violência para com os homens. Num mundo invadido por tantas formas de indiferenças e abusos, essas três metas nos convidam a abandonar as lógicas distantes da proposta revolucionária cristã.
O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução cristã”. Uma revolução baseada não em estratégias de poder econômico, político ou midiático. Aqui está a novidade do Evangelho: a revolução do amor. Um amor que definitivamente não se apoia nos recursos humanos, mas é dom de Deus que se obtém confiando unicamente e sem reservas na sua bondade misericordiosa. Somente um discípulo que aprendeu transparecer a imagem misericordiosa do Deus manifestado em Jesus pode fazer com que Ele permaneça vivo convocando a humanidade de hoje e de sempre.
Senhor, a tua proposta de amar os inimigos mostra-se demasiada irreal e injusta. Sinto-me desafiado a crescer no amor e no abandono às diversas lógicas. Compreendo que a revolução do amor é a essência do teu seguimento. Entendo que, mesmo sendo exigente e difícil, a tua proposta é revolucionária. Ensina-me desejar ao outro o bem que desejo para mim. Ajuda-me a compreender que o amor, a benção e o perdão a mim oferecidos é a motivação para que eu ame aqueles que não me amam, abençoe aqueles que me amaldiçoam e perdoe, sem medidas, aqueles que ainda não experimentaram o teu perdão.
LFCM.


Bom Dia Frei!! Q maravilhoso texto!!! Qdo se fala do AMOR de Deus ( Ágape), a esperança na pessoa humana surge em mim. Para mim esse Evangelho é o mais forte e esclarecedor de nosso Deus Pai ,me ajuda a crer cada vez mais q o Senhor sempre está e estará sempre conosco. Gratidão🙏🏽🙏🏿🙏🏻