A purificação da fé
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 6 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de mar. de 2021
Hoje completamos três lugares simbólicos para o nosso percurso quaresmal: o deserto, o Tabor e, agora, o Templo. São três lugares importantes do caminho feito pelo próprio Jesus.
Em torno do Templo tinha se formado uma cultura religiosa, bem ideológica, e uma sensibilidade. Os inúmeros sacrifícios que eram exigidos pela religião acabaram por transformar a imagem de Deus. O templo ao ser transformado em mercado, na verdade, transformou a imagem de Deus.
Por conseguinte, Jesus quando vai ao Templo e observa este tipo de relação, se manifesta com grande violência. Dado a importância deste momento, vemos que o relato está presente nos quatro evangelistas. Com efeito, Jesus reage a um tipo pervertido de religião. Era preciso eliminar de modo definitivo tal forma de relação com Deus.
Ao invés de louvor, oração e adoração, Jesus se depara com uma sacralidade mercantil que transforma a adoração em troca. Os sentimentos e a liberdade interior que deveriam caracterizar os sacrifícios (as ofertas) tinham sido esquecidos. A intenção era ficar em dia com Deus e estar de acordo com as normas.
Desse modo, com a narração, o evangelista João quer ajudar a sua comunidade a construir um novo imaginário na relação com Deus. Dentro desse contexto, também se localiza a intenção da quaresma.
Hoje somos convidados a questionar de maneira concreta a nossa fé e nosso modo de relação com Deus. Rever a imagem que construímos de Deus faz parte do caminho de conversão. Todavia, reconstruir é sempre um trabalho exigente e nunca imediato.
Purificar o Templo, então, significa purificar a fé. Somos convidados a entender que a relação com Deus deve acontecer além do culto litúrgico-sacrifical e além de uma relação mercantilizada, quase sempre, automática, mitológica e mágica: “eu te dou os meus sacrifícios, cumpro com as minhas promessas, frequento o templo com constância e você realiza o que eu quero”. Uma fé que faz de Deus um objeto de uso, de consumo, é, em outras palavras, uma fé comercial e barganhosa.
Portanto, como toda a relação necessita de cuidado, hoje somos convidados a cuidar da forma modo como nos relacionamos com Deus. Devemos desaprender o jeito religioso de manipular Deus no desejo de alcançar maior autenticidade e liberdade.
Aqui faço uma pergunta: como você se sentiria se descobrisse que numa relação você fosse objeto usado ou manipulado? Responda essa pergunta do ponto de vista de Deus. Aqui entra a necessidade de mudança radical, mesmo que violenta.
Após esta introdução geral sobre a relação mercantil com Deus, temos outro detalhe: “Jesus estava falando do templo do seu corpo”. Sendo assim, Ele agora não estava mais se referindo ao comércio mercantil e pervertido em torno ao templo, mas referia-se à inauguração de um novo templo, ou seja, anunciava o início de um novo culto.
Jesus quer dizer que o verdadeiro templo agora é o seu corpo. Logo, temos a passagem do lugar de pedras para o lugar da Presença, do Templo de Jerusalém ao corpo de Jesus, de uma ordem religiosa para uma dinâmica relacional e pessoal feita através de diálogos, entendimentos e coerentes compromissos.
Em outros termos, o gesto de Jesus não equivale simplesmente à correção dos abusos, mas ao anúncio do desaparecimento do Templo, perpetuado como garantia da presença de Deus, da salvação e como serviço essencial. De agora em diante, o encontro do homem com Deus não necessita de um lugar determinado, mas acontece em torno de um novo templo: o corpo de Cristo ressuscitado.
Ora, o corpo de Jesus é o lugar do encontro entre Deus e os homens. E qual é o corpo de Jesus? É o corpo da humanidade: ele assumiu um corpo. A humanidade de Cristo é o verdadeiro templo no qual Deus se revela, fala e se deixa encontrar. É a humanidade do homem. De fato, se toda a relação necessita de um corpo para ser concreta e real, da mesma forma a relação com Deus.
Diante disso, o convite de hoje é purificar a nossa fé de alguns mecanismos religiosos estranhos e incoerentes. Como Jesus, expulsemos do nosso coração a imagem manipulada de um Deus mercantil e usado para o meu consumo próprio. Façamos do Templo a casa da relação e da humanidade. Isto é a quaresma.
Portanto, façamos uma síntese de onde estamos no nosso percurso quaresmal: no primeiro domingo, ao entrar no deserto era preciso rever minhas necessidades interiores e fazer paz com aquilo que era selvagem; no domingo passado, ao transfigurar o modo de olhar era preciso cuidar do modo de ver o outro e de desapropriar-se de alguns conceitos teóricos construídos sobre tudo e sobre todos. Neste domingo, ao entrarmos no templo, mesmo que com violência, é preciso eliminar e renunciar a imagem mercantil de Deus. Somente desta forma, completaremos as dinâmicas básicas e necessárias para uma vida saudável e uma espiritualidade curada e salutar.
LFCM.
Comentários