A potência do amor
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 5 de ago. de 2023
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A festa da Transfiguração do Senhor começou a ser celebrada no Oriente, a partir do século IV e, no Ocidente, a partir do século XI. Este grande mistério revela-nos a identidade de Jesus e os planos do Pai para com Ele. Os três evangelistas narram sobre esse evento. A profundidade dessa manifestação é inexprimível. A linguagem de cada evangelista é prova disso. Mateus fala de “roupas brancas como a luz”. Marcos as descreve como “resplandecentes e tão brancas como nenhuma lavadeira no mundo as poderia alvejar”. Lucas as define como “fulgurantes”.
Oito dias após dizer aos seus discípulos acerca de sua paixão, Jesus subiu à montanha para rezar levando consigo Pedro, Tiago e João. Ele sabia que os discípulos não haviam aceitado a realidade da cruz e da morte, então quis prepará-los para suportar o escândalo da paixão e cuidar dos sentimentos interiores. A escolha desses três personagens não foi feita a partir dos privilégios ou dos méritos pessoais de cada um deles, nem mesmo pela profissão de fé. Muito pelo contrário, os três eram os mais rebeldes, os mais influentes, os mais persuasivos do grupo dos apóstolos. A Simão, Ele deu o nome de “cabeça-dura” e pediu para afastar-se Dele; a Tiago e a João chamou-os de “Boanerges”, filhos do trovão, homens turbulentos, impulsivos e de temperamento forte. Jesus conhecendo e observando o temperamento desses discípulos, chamou-os para rezar e para ouvir a Palavra do Pai.
No monte, Jesus foi transfigurado diante dos três discípulos. Seu rosto brilhou como o sol e suas roupas ficaram brancas como a luz. Ele revelou-Se numa aparência modificada. Os discípulos nunca tinham visto o rosto de Jesus tão radiante. Antes de sair para Jerusalém, Jesus saiu de Si mesmo. A condição fundamental de sua decisão foi a liberdade.
Jesus foi transfigurado e permitiu com que seus discípulos pudessem ver algo além do que os olhos humanos e sensíveis pudessem habitualmente ver e reconhecer. Uma imagem de Deus ou de um Messias preso, flagelado e morto não podia ser concebido por Pedro. Era mais conveniente permanecer na contemplação do rosto glorioso do que descer e seguir o Messias desejado por Deus.
O rosto mudado e as vestes transformadas revelaram a beleza de um homem “apaixonado” que ao ouvir a voz do Pai sentiu plena consonância dos desejos e das intenções divinas. A luz do rosto apaixonado de Jesus indicou que, durante a oração, Ele ouviu, consentiu, compreendeu e desejou o mesmo desígnio do Pai: um sacrifício que não terminaria em derrota, mas na glória da ressurreição e na revelação suprema do amor.
Um discípulo falador e dois discípulos intempestivos tornaram-se contemplativos e silenciosos. Ao serem levados para o monte, eles mudaram suas atitudes e entraram na dinâmica da conversão. O silêncio de Jesus e a revelação do projeto do Pai fizeram com que os discípulos mudassem suas vidas e aprendessem o silêncio orante: cheio de palavras profundas, de expressões saudáveis e de desejos divinos. O relato do evangelista nos permite inferir que o objetivo de Jesus ao levar-lhes ao monte para rezar fora alcançado. Sequestrado pela “aparência" de Jesus, Pedro quis permanecer na contemplação a fim de não descer para Jerusalém, ver a morte do Mestre e ter que morrer com Ele.
Mateus descreve com a imagem do rosto e com a imagem das vestes que brilham, a experiência da transfiguração. Além da aparência humana da figura de Jesus, os discípulos reconhecem a potência da divindade, do amor e do cuidado. Eles veem Jesus como Ele é: Filho de Deus. A presença de Moisés e Elias confirma a divindade de Jesus e a sua filiação divina revelada na história da salvação.
Com todo esse mistério, os discípulos fazem a experiência de que a vontade do Pai é pura manifestação de cuidado e de amor. Diante da dificuldade de entendimento do mistério da cruz e da vontade do Pai, os discípulos são iluminados. O Senhor se revela e ilumina a escuridão terrível da história na qual estamos inseridos. Essa luz se torna o nosso consolo. Dessa maneira, quando nos deixamos tocar pela sua divindade, Jesus ilumina os momentos escuros da nossa vida.
Nossa transfiguração começa quando deixamos de apenas nos ouvir, de dar razões aos nossos medos, de dar espaço às nossas ansiedades e de colocar as leis humanas acima de tudo e de todos. Nesse sentido, o passo decisivo para a conversão de Pedro e para a nossa conversão é colocar Jesus no centro da existência, retirando tudo que atrapalha com que esse espaço seja ocupado por Ele. A conversão começa ouvimos a voz que nos chama para sairmos de nós mesmos, dando vida, sonhando alto e não tendo medo.
Assim como aconteceu com Jesus, abrir-se à capacidade de transfiguração é o que nos possibilita a entrar no mistério do amor. O abrir-se ao novo é um sacramento que nos unge para encontrar a presença de Deus na trajetória do dia a dia deixando de lado nossas atrofias interiores e nossos medos. Além disso, a capacidade de transfigurar muda nossa maneira de pensar e transforma as opiniões petrificadas sobre Deus e sobre os outros. A capacidade de transfigurar muda as atitudes moralistas e doentias, agarradas a um passado que não existe mais. A capacidade de transfigurar nos liberta das culpas ilusórias que impedem nossa caminhada em direção à plenitude da vida.
Esta é a grande lição da Transfiguração: lembrar da Luz quando nos encontramos nas trevas da escuridão. Devemos aprender a ouvir a Voz Divina, apesar dos nossos medos e dos nosso pecados. Não é necessário vivermos em buscas de visões, revelações e aparições, pois a verdadeira Luz: Jesus, o filho de Deus, habita no meio de nós. A Transfiguração nos mobiliza a ultrapassar a superficialidade da realidade e nos impulsiona a ir além das aparências. Transfigurar é aprofundar nosso rosto num acontecimento ou num ato de transformação das nossas vidas ao desejo de Deus. Transfigurar é um apaixonar-se constante por Deus e por tudo aquilo que Ele faz por nós. Transfigurar é experienciar a potência do amor na nossa história.
Senhor, que a tua presença transforme os sentimentos turbulentos e impulsivos do meu coração. Na escuridão terrível dos meus sentimentos, leva-me aos teus montes e permita que eu veja o teu rosto brilhante e transfigurado para transfigurar o meu rosto pela potência do seu amor. Que a tua voz abra os meus ouvidos para os projetos do Pai. Cuida dos pensamentos do meu coração diante do medo, das crises e das dificuldades. Ajuda-me a ultrapassar a superficialidade da realidade impulsionando-me a ir além das aparências.
LFCM.


Gratidão por me enviar essas palavras. Paz e Bem🙏🏾🙏🏿🙏🏽