A paixão entre o silêncio e a solidão
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 26 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de abr. de 2021
Sensibilidades, envolvimentos e emoções: entramos na semana da morte de Deus. Nesta celebração se entrecruzam alegria, ao ver o Senhor entrar em Jerusalém, e dor, ao ver o Senhor morrer por amor.
Vemos um Deus diferente e distante da imaginação triunfalista. Temos um Deus frágil e impotente diante da injustiça. Seu silêncio faz a multidão passar dos “vivas e hosanas” ao “crucifica-o”.
Todos os evangelistas descrevem a paixão e morte de Jesus na cruz sob diferentes óticas e perspectivas. Algumas delas, mais detalhadas, enquanto outras, sucintas. Os detalhes de cada narrativa dependem do contexto vivido pela comunidade e daquilo que eles acreditam ser necessário para transmitir a mensagem desejada.
Neste ano, lemos a perspectiva do evangelista Marcos. Vemos um Jesus simples, não combatente e que se entrega de modo livre e consciente do momento previsto pelas Escrituras. Dentre todos os evangelistas, a narrativa de Marcos é a mais dramática e antiga. O evangelista mostra essa imagem para dizer à sua comunidade que o Pai não deu para Jesus, na hora da perseguição, um privilegiado tratamento e, muito menos o livrou das injustiças e traições.
Neste cenário, acenamos para um detalhe importante, sublinhado por Marcos: a solidão de Jesus. Lendo a narrativa da paixão, nos outros evangelistas, observamos um Jesus sempre acompanhado ou defendido. Enxergamos uma multidão entusiasmada. Vemos alguns discípulos que fogem no meio do processo; temos um anjo no Getsêmani (Lc 22,43); um discípulo e a mulher de Pilatos (Jo 18,15; Mt 27,19); um grupo de mulheres que choram (Lc 23,27-31); a mãe, o discípulo amado, algumas discípulas e o bom ladrão (Jo 19, 25; Lc 23,40).
Em Marcos não vemos ninguém. Jesus é traído pela multidão que desaparece e prefere Barrabás; negado por Pedro; ridicularizado, espancado e humilhado pelos soldados; insultado pelos passantes, pelos líderes do povo e pelos sacerdotes do tempo. Ao seu redor, tudo é escuro. Somente depois da morte, Marcos escreve que havia algumas mulheres olhando de longe (Mc 15,40-41).
No início do Evangelho, Marcos relata que os discípulos abandonaram tudo e seguiram Jesus. Entretanto, na hora da sua paixão, abandonando-o, fugiram todos. A dureza e o escândalo da cruz é um mistério assustador que parece inútil, gesto excessivo e sem sentido. Esse mistério aterroriza nossa mentalidade utilitarista que procura por resultados. O objetivo que Jesus teve de relação e de união resulta em solidão e abandono.
Outra característica, em Marcos, é a insistência das reações humanas de Jesus diante da morte. Os outros evangelistas evitam apresentar-nos um Jesus com medo e silencioso. No Horto das Oliveiras, sentia grande medo e angústia (Mc 14,33). Na subida do calvário era incapaz de carregar a cruz sozinho, então um certo Cireneu é obrigado a ajudá-lo.
Diante do Sinédrio e da pergunta: és tu o Messias, o Filho de Deus Bendito? Eu sou! Diante da pergunta de Pilatos: és tu o rei dos Judeus? Tu o dizes! Nada mais dizia, de modo que Pilatos ficou impressionado.
Nenhuma justificativa, nenhuma defesa, nenhum objetivo. Somente a consciência do projeto e a liberdade da missão. Um silêncio eloquente e desconcertante. Um silêncio sofrido não passivo. Confesso a vocês: um silêncio que me escandaliza e me deixa perplexo.
A descoberta e a proclamação de Jesus como Filho de Deus é outro fato importante. A profissão de fé não foi feita pelos discípulos, mas por um pagão. Foi dos lábios do centurião romano que ouvimos a fórmula: “Realmente este homem era o Filho de Deus!” (Mc 15,39). Além do mais, não foi o terremoto, nem o escurecimento do sol ou qualquer milagre que fizeram o centurião reconhecê-lo, mas o modo como morreu. Agora, um simples romano deixa seu paganismo e se torna discípulo do Mestre. A proclamação da fé, o grito e a escuridão se uniam e sublinhavam o momento dramático e pleno da paixão.
No momento de sua morte, o véu do templo se rasgou de alto a baixo. É a representação da destruição do Templo. Na morte, Jesus eliminava, de forma definitiva, todo impedimento da relação entre Deus e os homens. A morte de Jesus é o início de uma nova vida: vida de braços abertos, de sede de justiça e de coração transpassado.
Nesta sofrida semana da Paixão, somos convidados à contemplação da cruz. Não iremos levantar nossos ramos, mas podemos levantar os nossos corações. Levantemos à nossa vida ao invés dos ramos! Este é o melhor antídoto para os dias difíceis. Não precisamos dizer ou fazer muita coisa, apenas olhar e silenciar, pois as palavras, dos últimos dias, são muitas e assustadoras e deixam nossos sentimentos super exaltados, manifestando nossa sensibilidade de forma mais humana.
A cruz aparece para nós como a porta de entrada para a vida dada por Deus. Ao contemplarmos a cruz, para alimentar nossa fé, podemos sussurrar junto com o centurião romano e com muitos que ainda vivem sem voz: “Realmente este homem era o Filho de Deus!”.
LFCM.


Maravilhosa reflexão! Que Deus abençõe e santifique seu ministério.