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A oração apaixonada

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 15 de out. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de nov. de 2022

Jesus narra uma parábola em que há uma comparação impossível: de um lado, um juiz “que não temia a Deus”, não praticava a justiça que vinha de Deus e “não tinha consideração por ninguém”. Apenas interessava-se consigo. Ele podia ser tudo, menos um juiz. Do outro, uma viúva, pobre por excelência, não tinha e nem obtinha nada dos outros. Essa mulher pobre e viúva, entregue a si mesma e à própria sorte, exigia insistentemente a justiça de um juiz corrupto, interessado em si mesmo no poder e no dinheiro.


A insistência da viúva não tinha qualquer pretensão. Era apenas expressão da sua fraqueza, pois não tinha outros meios, nada e ninguém a quem pudesse recorrer. Ela não constrangeu o juiz, apenas gritou sua dor e sinalizou seu desespero. A sua insistência foi uma oração que implorava piedade pelo sofrimento e compaixão pela miséria. Talvez, tenha sido enganada no recebimento de alguma herança ou vítima de algum golpe de exploração em seu trabalho ou em outros lugares. Certamente, ela foi injustiçada e procurava seus direitos, mas ninguém a ouvia. Ela não tem dinheiro para pagar um advogado, não conhecia ninguém que pudesse defender seu caso, ninguém a quem pudesse se recomendar. Ela tinha apenas uma carta na mão e a jogou, incomodando um juiz de forma contínua e insistente. O comportamento da viúva revelava grande vontade, convicção, humildade e constância.


O juiz não tinha qualquer consideração por pessoas. Não era um homem religioso e nem temia a Deus. Ele era um homem, sem fé e sem lei, desonesto e injusto. Ele relutava em assumir o pedido da viúva. Entretanto, depois de um tempo, assumiu conscientemente seu destemor e sua falta de respeito por qualquer pessoa. Aborrecido com a insistência da viúva, decidiu agir em favor dela. No entanto, tentou se livrar de qualquer consequência: “Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!". A justiça foi alcançada pela perseverança da viúva, único meio de que possuía. O juiz da parábola era uma figura odiosa e arrogante. Jesus não quis tomá-lo como exemplo, mas enfatizou o comportamento daquela mulher que não se cansou de insistir para alcançar justiça.


Não podemos pensar que esse juiz reflita a imagem de Deus, mas a insistência da viúva revela um dos aspectos centrais, ensinado nesta parábola: a oração. Orar nem sempre é fácil e agradável. Muitas vezes, cansamos por causa da "demora divina" e dispersamos pela dificuldade humana de perseverar a mente e o coração.

Entretanto, a oração nos traz força para procurar, discernimento para escolher, silêncio para escutar, esperança para viver e fé para continuar. A insistência contribui para sairmos do comodismo barato e do imediatismo ansioso. A oração é uma necessidade em todas as circunstâncias da vida. É um eterno desejo de comunhão.

Jesus quer recordar que a condição para a verdadeira oração é a fé. A parábola termina com estas palavras: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”. A pergunta é inquietante e forte. Sem fé não há oração, mas apenas fórmulas religiosas, devoções humanas e superstições. A fé é acreditar, abandonar-se e entregar-se com total confiança e convicção numa possibilidade que não seja a pessoal. Portanto, crer em Deus significa abandonar-se, entregar-se a Ele, contar com Ele confiante e totalmente. Por isso, a oração com a fé consiste na esperança e na retidão. Rezar não é refugiar-se num mundo ideal, nem se agarrar numa falsa e egoísta tranquilidade, mas é a autêntica necessidade do coração.


O evangelista Lucas é aquele que mais registra os momentos de oração do ministério de Jesus. Nesta parábola, ele nos ensina sobre a necessidade de sempre rezar. A oração não é algo extraordinário, nem uma atividade dentre outras, mas é a preparação, a base e a atmosfera que envolve todas as nossas ações. A oração é a força motora do ministério de Jesus que foi claramente revelada a partir do seu batismo no Jordão (cf. Lc 3,21). A oração é o dinamismo da existência filial que atrai os discípulos e desperta neles o desejo de aprender a rezar (cf. Lc 11,1). O evangelista conta que Jesus se retira para rezar em lugares desertos (Lc 5,16; 9,18), que sobe à montanha e passa a noite em oração (Lc 6,12). A transfiguração, momento epifânico de Cristo, acontece num momento de oração prolongada (Lc 9,28). Vigiar e orar é a combinação necessária e o aspecto que unifica a vida de Jesus com a vida de seus discípulos. Por meio desta parábola, o Mestre quer despertar uma oração apaixonada no coração de seus discípulos.


A experiência mais difícil para o homem de fé é o silêncio de Deus. É exigente continuar a pedir, sem sentir-se escutado e ouvido. Dessa maneira, devemos ser conscientes de que a oração não tem serventia para mudar a vontade de Deus, mas ela é capaz de mudar perspectivas para garantir nova forma de olhar as situações. A oração autêntica não consiste em tentar convencer Deus de nossas vontades, mas deve nos colocar em Sua perspectiva, inserindo-nos em Seu projeto de bondade para toda a humanidade.

A oração é a melhor maneira de "não perder a cabeça" nos momentos difíceis e dramáticos da vida ou quando tudo parece conspirar contra nós e contra o Reino de Deus. Pela oração devemos controlar nossa impaciência em querer estabelecer o Reino de Deus a todo e qualquer custo. A oração deve nos impedir de "forçar consciências" nos ensinando a respeitar a diferença e a liberdade de cada pessoa.

A oração não precisa ser longa e insistente. Nossos desejos ou pedidos impossíveis não nos vem “da” oração, mas “na” oração. Toda nossa vida deve ser uma oração. Cada pensamento, ação e desejo precisam estar sintonizados no diálogo contínuo com Aquele que nos ajuda a preencher nossos vazios existenciais. Orar é reconhecer que sempre nos falta algo e que somente um Outro pode nos dar. Para nós, cristãos, esse Outro, é Deus.

Portanto, orar é reconhecer o primado de Deus em nossa vida, no tempo, no espaço e na história. Orar é aprender livremente a se relacionar com Deus, renunciando às práticas de fazê-la, apenas quando se precisa de algo ou de alguma coisa. Orar é aprender a viver sempre na presença de Deus, em todos os momentos, bons e ruins, que fazem parte da nossa vida.

Para que o mal não afete nossa vida e sejamos libertos de paixões incontroladas, de reações instintivas e de divisões polarizadas, não podemos limitar-nos à oração que se realiza em determinados momentos do dia. É preciso estar continuamente imersos numa atitude de constante vigilância, fazendo de nossa própria vida, uma oração, para não cairmos em tentação e para fazer com que toda nossa existência seja expressão de contínua relação com Deus. Portanto, nosso desafio não é orar para manifestar nosso desejo, mas permanecer num estado de ação de graças, pois Deus não é uma de nossas muitas aspirações, mas Ele é o Grande, o Único e Precioso Desejo. Estando Nele é que percebemos e sentimos o sentido de nossa existência.

Senhor, ensina-me sempre a rezar. Necessito estar na tua presença de forma contínua para assumir o teu primado em minha história. Ajuda-me a ser gratuito para buscar-Te através da oração. Ensina-me que a oração não deve ser apenas um momento extraordinário do meu dia. Dê-me a consciência de que a oração é tudo que faço por todos que se encontram em Tua presença. Conceda-me a intuição do que é fundamental para a minha existência. Dá-me forças para procurar, discernimento para escolher, silêncio para escutar, esperança para viver e fé para continuar minha caminhada rumo à vida eterna.


LFCM.

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2 comentários


Adailton Borges
Adailton Borges
15 de out. de 2022

É interessante perceber qual é o significado da oração na vida cristã baseado nas catequeses do evangelista Lucas: A oração não é simplesmente um movimento do espírito em nós, mas uma real postura de vida que nos compromete a sermos responsáveis ao projeto evangélico do Cristo Jesus mediante a uma fé autêntica e esclarecida. A oração é pautada numa experiência de escuta atenta da Palavra, no acolhimento humilde e sereno da Boa Nova deixada por Jesus Cristo a seus discípulos de todos os tempos.

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Marcia Severo
Marcia Severo
15 de out. de 2022

Amém 🙏🏽🙏🏿🙏🏾 Todo texto é uma bela oração. Gratidão Frei.

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