A maior ousadia cristã
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 23 de jul. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de ago. de 2022
Num trecho do Evangelho deste domingo, o evangelista Lucas continua a narrar sobre as atitudes de Jesus durante sua viagem a Jerusalém. Nesta caminhada, Jesus parava e dedicava-se à oração. A oração sempre foi uma dimensão essencial na vida de Jesus e as suas ações foram marcadas por prolongadas pausas de oração. O estilo orante de Jesus chamava à atenção dos discípulos. Eles interrogavam e desejavam aprender: ‘Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos’”. Portanto, o Evangelho de hoje é composto por três partes: a oração de Jesus (vv. 1-4), a parábola do amigo insistente (vv. 5-8) e, por fim, a sua aplicabilidade (vv. 9-13).
Na tradição judaica, em que estava toda formação dos discípulos, havia diversas correntes de oração e fórmulas. Jesus inova e não somente explica como orar, mas transmite um ensinamento acerca da oração: “Quando rezardes, dizei”. A oração de Jesus, diferente da dos mestres da época, manifestava o vínculo íntimo que Ele tinha com o Pai. Ele não ensina a rezar para cumprir um dever diante de Deus ou para aplacar a ira de um Deus onipotente. Os discípulos desejam aprender este modo para dirigirem-se a Deus. Eles sabiam rezar, recitando fórmulas da tradição judaica, mas querem vivenciar a mesma “qualidade” e autenticidade da oração de Jesus.
Depois de ter revelado seu mistério de Filho e irmão, Jesus confia aos seus discípulos um dos dons mais preciosos da sua missão terrena: a oração do “Pai-Nosso”. Aproximando-nos da prece de Jesus, percebemos que todo o conteúdo da oração gira em torno do vocativo que abre a própria oração: “Pai-nosso”, na versão de Mateus; ou “Pai”, na versão de Lucas.
Mesmo quando falamos do Nome, da Vontade e do Reino sempre somos colocados em torno da paternidade de Deus. O Pai torna-se o destinatário e o objeto da súplica. Dessa forma, a oração ensinada por Jesus é, antes de tudo, dar lugar a Deus, deixando que Ele resplandeça sua santidade em nós, fazendo com que se aproxime o seu Reino, a partir da possibilidade de manifestar sua presença de amor em nossa vida.
Ao responder o pedido dos discípulos, Jesus não dá uma definição abstrata de oração, não ensina técnicas eficazes para orar e nem para alcançar uma espiritualidade efetiva. Ao contrário, Ele convida seus seguidores a experimentar a oração, colocando-os diretamente em comunicação com o Pai. Estar diante do Pai significa estar diante do início da sua história. Na frente de um pai, se pede, mas, sobretudo, se tem confiança e abertura.
O entendimento do sentido da oração do “Pai-Nosso” acontece quando se consegue interiorizar o significado desse “Pai”. O reconhecimento do amor do Pai é uma questão fundamental para a vida porque coloca questões decisivas sobre quem somos e quem é Deus.
No texto de Lucas, a oração é muito breve e constituída por dois pedidos que estão em paralelo com a oração judaica: a santificação do Nome e a vinda do Reino. Em seguida, vemos três pedidos referentes àquilo que é verdadeiramente necessário para o discípulo: o dom do pão de que se precisa todos os dias, a remissão dos pecados e a libertação da tentação. A oração do cristão é simples, sem muitas palavras, mas cheia de confiança em Deus. O texto de Mt 6,9-13 apresenta sete pedidos e o de Lc 11,2-4, cinco. Os três primeiros pedidos referem-se a Deus, os outros são os pedidos referentes à vida terrena. Na sua oração, Jesus revela a atitude de dirigir-se abertamente ao Pai com uma linguagem cotidiana e com palavras simples.
A originalidade da oração de Jesus está na relação confiante com o Pai e não no elenco dos pedidos e necessidades humanas. Somente pode chamar a Deus de Pai quem aceita o lugar de filho. Um lugar dado a nós pelo único Filho, nosso irmão: somos filhos por causa do Filho. É Nele e através Dele que nos dirigimos ao Pai. Dessa maneira, somente Ele ensina a forma correta de voltar-se ao Pai. Na sua oração, Jesus revela a atitude de dirigir-se abertamente ao Pai. Nesse sentido, nossa oração é autêntica quando ao chamarmos Deus de Pai, aprendemos viver como irmãos.
Para rezarmos o Pai-nosso em nossa comunidade dominical, o ministro usa o forte e potente convite: “obedientes à Palavra do Senhor e formados por seu divino ensinamento, ousamos dizer”. De fato, dizer “Pai-nosso” é a maior ousadia cristã. O apelo direto ao Pai é incomum na tradição judaica. A ousadia não está em apenas dizer “Pai”, mas sobretudo, ao dizer “nosso”. Embora, sejamos tão inclinados a pensar no “meu”, Jesus nos ensina e nos obriga reconhecer o “nosso”. É ousadia porque vai contrário ao nosso modo de pensar individualista. Quando eu digo “nosso”, o mundo inteiro está presente.
Retornando ao Pai numa relação orante, o homem volta-se à sua origem e essência. Neste movimento, a oração não se destina apenas ao “Pai-nosso” que está nos céus, mas também, ao “Pai-nosso” que está na terra. O “Pai-nosso” é um limiar entre o céu e a terra. O destino das nossas orações é o Pai que está em contato conosco na vida quotidiana. O homem somente é capaz de desejar Deus porque Deus se inclina com benevolência para a realidade do próprio homem e entende seus desejos primários. Nós nos aproximamos de Deus porque Deus se aproxima de nós.
Na parábola que procede o ensinamento da oração, Jesus conclui que a vida do discípulo é um saber pedir, procurar e bater. Um pedir de forma correta, um procurar no lugar certo e um bater na porta adequada. Essas três dimensões tocam nossas dificuldades, pois pedimos de forma incorreta, procuramos nos lugares errados e batemos nas portas inadequadas. A ousadia e a eficácia da oração consistem na capacidade de nos transformar espiritual e existencialmente, trazendo à nossa história uma conversão efetiva e afetiva.
Rezar com ousadia essa oração, não se trata de oferecer a Deus alguns momentos da vida, mas colocarmos em suas mãos, toda nossa vida, tudo o que somos e experimentamos. O desejo mais sublime, a vocação mais bela e a vontade mais perfeita. A verdadeira oração cristã é colocar-se no lugar de filho. Rezar é sentir-se filho de um Deus que é o Pai. Diálogo, encontro e experiência. A oração do Pai-Nosso é a mais clara e expressiva síntese da mensagem de Jesus. Não é uma fórmula a ser decorada e repetida diante de um “mestre todo-poderoso", mas uma forma de vida, cujas atitudes devem levar-nos assimilar progressivamente a filiação e a fraternidade. Ao rezar o Pai-Nosso, nossas inquietações são transformadas em desejos e os nossos desejos são transformados em verdadeira oração.
Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. Dá-nos a cada dia o pão de que precisamos, e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também Perdoamos a todos os nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação.
LFCM.


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