A jornada da entrega e do amor
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 22 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de ago.
Jesus está a caminho de Jerusalém, não apenas para cumprir uma rota geográfica, mas para realizar uma missão decisiva que revelaria o coração do Reino de Deus. Ao longo dessa jornada, o evangelista Lucas reúne diversos ensinamentos do Mestre, voltados a instruir os discípulos sobre o que significa segui-Lo verdadeiramente. Em determinado momento, alguém da multidão lhe pergunta: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” Jesus não responde de forma direta.
Ele desloca o foco da curiosidade teórica para um apelo existencial: a salvação não é uma meta a ser conquistada por esforço competitivo, como quem corre para cruzar uma linha de chegada. É, antes de tudo, um dom gratuito de Deus, que desperta em nós o desejo de corresponder à Sua graça com liberdade e confiança.
Com isso, Jesus transfere a atenção da salvação futura para o presente vivido com sentido e intensidade. A salvação não é apenas uma realidade distante, mas se manifesta nas escolhas concretas que fazemos agora. Ela se realiza no compromisso com o bem, com a misericórdia e com o amor. A salvação não é algo reservado a poucos ou garantido pelo simples fato de nascer em uma determinada condição ou seguir rituais religiosos. Ela exige um compromisso pessoal, uma decisão consciente que transforma toda a vida. Trata-se de seguir o exemplo de humanidade que Jesus encarnou de forma plena e até as últimas consequências. O decisivo, portanto, não é o amanhã, mas o modo como vivemos o hoje.
É no presente que a salvação começa a se concretizar ou a se perder, conforme nossas respostas ao chamado do Evangelho. Esse caminho exige de nós o esvaziamento do ego, uma abertura sincera à vontade de Deus e uma disposição generosa para servir.
A verdadeira salvação demanda um compromisso pessoal, profundo e radical — uma escolha consciente que redefine toda a trajetória de vida. Seguir Jesus implica imitar sua humanidade plena, marcada pela entrega amorosa, pela compaixão e pelo serviço até o limite. Não se trata de esperar passivamente por um prêmio futuro, mas de viver o presente com autenticidade, abrindo mão do ego e das falsas seguranças para abraçar o amor que transforma e liberta.
O agora é o momento decisivo em que se constrói ou se perde a salvação, por meio das nossas escolhas e da abertura à ação do Espírito.
Jesus apresenta o caminho da salvação como uma “porta estreita”, um símbolo poderoso de compromisso e de amor oblativo. Essa porta representa mais do que um limite físico; ela aponta para a qualidade das relações humanas que acolhem, respeitam e promovem a verdadeira comunhão. É a porta do amigo que oferece o pão, da casa do Pai sempre aberta e do aprisco onde as ovelhas entram e saem com liberdade, segurança e cuidado. Embora essa porta esteja sempre aberta, atravessá-la exige um movimento consciente de humildade e entrega. Um ego inflado, marcado pela presunção, pela pressa e pelo controle, torna impossível entrar. A misericórdia infinita de Deus está disponível, mas só pode ser acolhida por aqueles que desejam verdadeiramente abrir mão de si mesmos.
O caminho que leva a essa porta estreita não é fácil e jamais será isento de dificuldades, contradições e recomeços. Ele exige perseverança, paciência e a coragem de enfrentar as dores e os desafios da vida com fé. Atravessar esse caminho é aceitar que a vida cristã não é uma caminhada simples, mas um processo de transformação profunda, que demanda não só fé, mas uma entrega concreta e radical à vontade de Deus. Essa realidade vale para todas as dimensões humanas: amizades, relacionamentos amorosos, construção de família, vocações profissionais e compromissos sociais. Jesus, ao decidir caminhar para Jerusalém, não fugiu das dores da paixão e da cruz; pelo contrário, Ele as assumiu com pleno amor e entrega, mostrando que a verdadeira força nasce da aceitação do sofrimento em nome da missão maior. Assim, a transformação profunda só acontece quando aceitamos o peso da cruz, e não quando buscamos atalhos ou facilidades.
Por fim, permanecer fora da porta nem sempre é culpa dela, mas muitas vezes resulta da nossa incapacidade de nos abaixarmos, de nos esvaziarmos e de abrir espaço para o outro. Entrar na casa do Pai não é uma questão de posse ou direito, mas um dom que só pode ser acolhido com respeito, humildade e escuta atenta. Reconhecer que estamos entrando em um espaço que não nos pertence exige uma postura de reverência e gratidão. Mesmo com a porta aberta, o maior obstáculo para entrar somos nós mesmos, quando nos deixamos dominar pelo orgulho e pelo egoísmo. O convite de Jesus permanece sempre: tornar-se pequeno para entrar, abandonar a ilusão do controle e aceitar a liberdade que nasce do amor e da entrega verdadeira.
Senhor, ensina-me a seguir-Te com compromisso e entrega. Abre meus olhos para enxergar que a salvação não é um prêmio distante, mas uma graça que se vive no presente, em cada escolha de bondade, misericórdia e amor. Dá-me um coração humilde, capaz de esvaziar-se do orgulho e das falsas seguranças, para que eu possa atravessar a porta estreita da Tua vontade.

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