A antecipação inédita
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 14 de jan. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de jan. de 2022
O início do ministério de Jesus é revelado pelo evangelista João ao narrar uma festa de casamento que aconteceu em Caná da Galileia. Para o evangelista este é o primeiro “sinal” messiânico realizado na vida pública de Jesus, manifestando a sua glória e possibilitando a fé de seus discípulos. Esse “sinal” é colocado no início do Evangelho como síntese de tudo o que Jesus faria adiante. Por detrás de uma aparente e simples história está uma profunda mensagem e um intenso conteúdo simbólico.
Não é por acaso que Jesus inaugura seu ministério durante um banquete de casamento. Ele mesmo compara o Reino dos Céus com um rei que prepara um banquete para o casamento de seu filho. Também, não é por acaso que os primeiros discípulos e Maria, antecipação e figura do novo povo de Deus, estão presentes nesse banquete.
A narrativa evangélica exige dois tipos de leitura: histórica e teológica. A leitura histórica nos ajuda a contextualizar o interesse que o evangelista tem ao construir sua catequese. Em contrapartida, a leitura teológica interpreta todos os fatos à luz do evento pascal. Assim, o casamento em Caná da Galileia é a memória da aliança no Sinai e a antecipação do futuro escatológico. A transformação da água em vinho mostra o cumprimento da história e o tempo inédito de uma Nova Aliança.
Quando Jesus e os seus discípulos chegaram na festa, Maria lá estava: “no terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia, e a mãe de Jesus estava ali”. A presença de Maria neste casamento representa a história do povo da Antiga Aliança. Ela está lá porque é a figura de Israel que aguarda a hora do Messias. Maria é a filha de Sião chamada a reconhecer a realização da promessa e o início do tempo messiânico. As suas palavras – “Fazei tudo o que ele vos disser” – mostram a necessidade de acolher a Nova e Eterna Aliança.
As seis talhas recordam a Lei escrita nas tábuas de pedra, o seu peso e a sua incompletude. O número 6 significa imperfeição. Dessa forma, os potes vazios mostram que falta algo. O vinho que acaba na festa revela a ausência da generosidade, da alegria, da dança e do canto ao amor. A festa acabaria antes da hora e o risco daquele matrimônio não ser duradouro era enorme. A água nos serve para viver, mas o vinho exprime a abundância do banquete e a alegria da festa. As Escrituras, especialmente os Profetas, indicam o vinho como elemento típico do banquete messiânico. Teologicamente, a ausência do vinho revela que o projeto do Pai não havia atingido sua plenitude com a Antiga Aliança: o sinal pleno da Aliança será visto no lado aberto de Jesus na cruz. A água transformada em vinho antecipa o derramamento do sangue e da água na cruz e revela a plenitude da nova e da eterna aliança.
Na festa de casamento, nem o noivo e, em particular, nem a noiva são mencionados. A intenção do evangelista é revelar, através desta ausência, o casamento de Deus com a humanidade. Jesus inaugura, com o superabundante e ilimitado vinho da graça, a Nova e Eterna Aliança Nupcial entre Deus e o seu povo. Dos jarros de pedra cheios de água, símbolo da Lei, os servos extraem o melhor vinho, símbolo do amor, da alegria e da graça. O vinho abundante e de qualidade representa o vinho Novo do Reino, a mensagem do Evangelho de Jesus.
Em Jesus, Deus realiza definitivamente as suas Núpcias com a humanidade, realizando as nossas expectativas e os nossos desejos de vida feliz e plena. Todo o mistério do sinal de Caná se funda na presença e na revelação de Jesus. Sem o vinho, símbolo bíblico do amor, toda a existência tornar-se-ia incompleta e falha, e a própria Lei de Deus seria como uma “palavra” incapaz de dar vida. João deixa claro, nas primeiras páginas do seu Evangelho, que com a história de Jesus, devemos experimentar um Deus transbordante de generosidade e inebriante de graça. Jesus é a boa e feliz notícia do Deus capaz de mudar o rumo de uma existência quase extinta pela falta de vinho novo.
O mestre-sala experimenta a água, transformada em vinho e não sabe sua procedência. Em seguida, chama o noivo para lembrar-lhe que, pela “tradição”, devia ser servido primeiro, o vinho menos bom e, somente depois, o vinho melhor. O mestre-sala repreende o noivo com decepção e lamento.
Para ele não está certo mudar a tradição “de sempre”. Era melhor ocupar-se com os projetos do passado e lamentar-se do que alegrar-se com uma novidade.
As bodas de Caná sem vinho representa a triste condição do povo de Israel. Os israelitas viviam tristes e insatisfeitos porque substituíam o amor do Senhor pelo cumprimento de leis e preceitos. Sabiam que o modo com que se relacionavam com Deus nunca lhes trouxera alegria. Existe ainda hoje, a grande tentação de continuar nossa relação com Deus da mesma maneira com que os israelitas a mantinham. Há homens que confiam-se às práticas religiosas, às estritas observâncias de deveres e às repetições de ritos dos quais nem sequer entendem ou sabem o sentido. Ainda existem "israelitas" que vivem em nosso meio.
Por fim, a imagem das núpcias e a abundância do vinho significam a antecipação e a profecia da festa escatológica. O Apocalipse evoca a salvação escatológica com as imagens do banquete das bodas do Cordeiro e da Nova Jerusalém pronta como esposa para o seu marido (cf. Ap 19,7-9; 21,2). O alimento e o amor, elementos fundamentais para a criatura humana, transpostos no plano escatológico, transfiguram a necessidade em desejo e nutrem o anseio de salvação, de vida plena e de comunhão do homem com Deus.
Senhor, como é bom saber e sentir tua presença quando falta-me a generosidade e a alegria. Quando percebo as "faltas" e as "ausências" em minha história consigo sentir a tua fiel presença a me fazer companhia. Ajuda-me a entender a plenitude da revelação nesses atos de graça e de amor. Desejo uma existência completa. Ensina-me, ao invés de lamentar-me por uma novidade, a experimentar o “vinho” novo com alegria, amor e desejo de salvação.
LFCM.


Bom Dia Frei!! Que alegria e esperança através desse testo, foi apresentado. Confiar sempre na presença do Senhor em nossas vidas. Obrigada Frei. Paz e Bem.