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O grito da salvação

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 22 de out. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de out. de 2021

No caminho em direção a Jerusalém, Jesus anuncia sua morte e revela as exigências para segui-lo: amor gratuito, renúncia dos bens e serviço desinteressado.


Os discípulos que o acompanhavam não compreendiam ou não queriam compreender o sentido das palavras do Mestre. Não eram capazes de se libertar da ideia distorcida do Messias que tinham em mente e continuavam iludidos esperando o reinado social de Cristo. Por diversas vezes, Jesus os repreendia: “ainda não entendeis e nem compreendeis”; “tendes o coração endurecido”; tendes olhos e não vedes, ouvidos e não ouvis” (cf. Mc 8,17-18). Após as repreensões, Jesus começa curar suas cegueiras, intervindo várias vezes, como fez com o cego de Betsaida (cf. Mc 8,22-26). A condição dos discípulos era semelhante à dos cegos: insensíveis às cores e a qualquer raio de luz.


Saindo de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão, antes de iniciar o percurso definitivo para Jerusalém, Jesus realiza a cura de um outro cego. Esta narrativa evangélica, conclui a parte central do evangelho de Marcos. Entre os mendigos sentados à beira da estrada, tem um, identificado por Bartimeu.

A narrativa deste encontro, relatado pelos três evangelhos sinóticos, nos serve, muito mais do que a crônica de um fato e, na intencionalidade do evangelista Marcos, serve para nos mostrar “a iluminação de um homem por Cristo”. Dessa maneira, temos um "milagre" que funciona como uma parábola, porque o não dito é mais significativo do que o que está escrito.

Aquele homem, cego, nunca havia visto Jesus. Nem mesmo tinha estado com ele, porém a fama do Mestre Galileu lhe tinha alcançado. No seu coração, havia o desejo, a esperança e a necessidade de sair da escuridão. Bartimeu deseja voltar à vida com tanta força que coloca em jogo seus únicos recursos. Ele não somente pergunta, mas grita. Esta é a ação que o salva. Bartimeu tinha perdido a visão, não a voz. Mesmo sabendo que seu grito incomoda todos, ele não desiste de colocar seu desejo diante de Deus.


Sentado à beira da estrada, Bartimeu sobrevive da repetição de gestos quotidianos. Encontra-se morto-vivo na vida. Pede esmolas e, certamente, tem outras tantas necessidades: afetos, coisas, comida.

Consciente da sua situação, começa a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Supera o medo, o constrangimento e a vergonha. Gritando, pede ajuda, pois quer sair daquela condição de vida. Com isso, Bartimeu é a imagem do discípulo que abre os olhos à luz do Mestre e decide segui-lo ao longo do caminho.

Ao contrário do alguém rico e sem identidade, que não foi capaz de se livrar do peso dos seus bens, Bartimeu se despoja da sua única certeza, do seu manto pobre e, com coragem, corre ao encontro de Jesus. Para um mendigo, o manto era tudo: casa, riqueza, segurança e proteção. Ele dá o seu tudo.


Em seguida, revela seu desejo: “Mestre, que eu veja!”. Bartimeu pede ao Filho de Davi para ver com os olhos da fé. No seu pedido há muito mais do que o desejo de ver. O verbo usado por Marcos pode ser traduzido “ver novamente”, “olhar para cima”. Não se trata apenas de voltar ver ou enxergar, mas de erguer a cabeça. Bartimeu quer recuperar a sua dignidade. Vendo sua fé, Jesus lhe autoriza caminhar: “Vai, a tua fé te curou”.


Quando Bartimeu se sente chamado por Jesus, o desespero que o levou a gritar se transforma em uma resposta imediata, em uma decisão de vida, livrando-se de tudo que poderia atrapalhar o encontro com Cristo.

O gesto de Bartimeu ao jogar o manto possui um forte conteúdo simbólico. Sinaliza a renúncia de uma condição antiga, de hábitos velhos e de comportamentos incompatíveis aos do Reino. De fato, em nossa vida existem falsas certezas, aparentes consolações, que nos impedem de viver plenamente.

Seremos iluminados quando, como Bartimeu, começarmos a gritar pela cura da nossa doença existencial. Quando gritarmos para sair daquela doença que nos deixou paralisados à beira da estrada da existência, tentando tirar nossa dignidade e escurecendo nossa visão da vida. A fé não me ajuda somente a mudar determinadas situações, mas em ter novos olhos que me ajudem a ver diferente e a ter atitudes diferenciadas.


O encontro, o diálogo e a abertura dos olhos para Cristo, ao mesmo tempo, colocam o homem-cego diante de uma situação difícil. Ele vivia sentado, agora tem que andar; sua profissão era pedir e depender dos outros, agora deve procurar uma forma de vida completamente nova; antes morava com conhecidos e amigos, agora deve arriscar-se numa nova e desafiadora aventura. A experiência de Bartimeu nos ensina que o caminho de quem encontra Cristo é desafiador. Este encontro nos obriga a rever hábitos, comportamentos e relações. Exige uma escolha radical: permanecer com o velho manto ou desejar ser iluminado por Cristo.


Senhor, preciso que ilumines as minhas ilusões. No meu coração habita o desejo, a esperança e a necessidade de sair da escuridão. Não quero sobreviver a repetição medíocre dos gestos quotidianos. Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim! Liberta-me de uma fé superficial. Ensina-me a deixar tudo aquilo que atrapalha o encontro contigo: a condição antiga, as falsas certezas, os hábitos velhos e os comportamentos incompatíveis. Recupera minha dignidade, dá-me a vida e ressuscita a minha visão.


LFCM.

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1 comentário


Adailton Borges
Adailton Borges
23 de out. de 2021

É compreensível que a fé é esse caminho de iluminação no qual se entra no processo de conhecimento da Pessoa do Cristo Jesus numa total assimilação a sua vontade.

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