A hora da entrega
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 7 de out. de 2023
- 5 min de leitura
O Evangelho nos apresenta uma nova parábola sobre a vinha, comumente chamada de parábola dos vinhateiros assassinos. Essa parábola foi dirigida aos líderes religiosos que rejeitam Jesus e suas ações. Um proprietário plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta dela, plantou videiras escolhidas, fez nela um lugar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda. Depois, arrendou-a a vinhateiros e viajou para o estrangeiro. Ao manifestar o desejo de retornar para colher o fruto da vinha, enviou empregados à sua frente para avisar sobre seu retorno e para preparar o caminho. Os vinhateiros comportarem-se muito mal quando viram os muitos enviados pelo dono da vinha.
A vinha é uma das imagens mais utilizadas no Antigo Testamento para se referir ao povo eleito. Tal como o profeta Isaías, Jesus usa a imagem da vinha para descrever a obra de Deus e a resposta do homem. Entretanto, o cenário é diferente. Os personagens mudam: em primeiro plano não estão mais Deus e a vinha que produz uvas verdes e não comestíveis, mas está o dono da vinha e seus empregados. A vinha do Evangelho não é estéril e a conclusão é outra: não há abandono nem devastação da vinha, mas há intervenção salvadora, substituição dos trabalhadores inaptos e novo começo.
É muito evocativa a imagem da vinha utilizada por Jesus porque pode ser visualizada em múltiplos níveis. Em primeiro lugar, a descrição desta vinha rodeada por uma cerca e com uma torre ao centro nos remete à imagem do jardim da criação, que por sua vez, é a imagem da terra que Deus preservou e deu ao seu povo. O jardim é o espaço da relação com Deus e a árvore que está no centro, como a torre da vinha, representa o critério de orientação, a Lei.
À luz desta imagem, Israel é chamado a perguntar-se como vive sua relação com Deus. Plantar, cercar com muro, cavar um lugar e construir uma torre nos levam a pensar em ações coordenadas e, ao mesmo tempo, complementares entre si. O proprietário progressivamente se afeiçoa por sua vinha cuidando-a como um tesouro.
O objetivo de Jesus nessa parábola é mostrar a dramática relação entre Deus e o seu povo. Para manter viva a Sua presença no meio do povo e preparar o caminho de retorno, Deus enviou os profetas a fim de exortar, defender e recordar a Aliança. No entanto, os “vinhateiros” agarraram, espancaram, mataram e apedrejaram aqueles que foram enviados pelo dono da vinha. Os vinhateiros não queriam saber do retorno do dono da vinha. Eles enfureciam-se e matavam os enviados um após o outro. O dono da vinha enviava cada vez mais e eles continuavam a matar todos.
Os vinhateiros não queriam entregar o fruto da vinha: ou queriam manter para si ou não tinham nada para apresentar. Consideravam-se como os verdadeiros donos ou não haviam produzido nada porque passaram o tempo sem nada fazer. Por uma possibilidade ou pela outra, eles não queriam que o dono da vinha pudesse ver a realidade. Para evitar a chegada do dono, zombavam e matavam os enviados. O dono por amar demais sua vinha, enviou novos empregados, mais numerosos do que os primeiros, mas esses também padeceram da mesma sorte. A última tentativa do dono da vinha é enviar seu próprio filho, mas os trabalhadores também o perseguem e o matam convencidos de que poderiam dominar o campo. Os vinhateiros trataram o filho pior do que aos empregados: “este é o herdeiro. Vinde, vamos matá-lo e tomar posse da sua herança!”. Esses vinhateiros, ao verem o filho, aumentam mais o desejo de serem donos e de terem poder sobre a vinha.
A imagem usada por Jesus é clara: a vinha foi “alugada” aos agricultores, não é propriedade deles. Cada dádiva que recebemos em nossa vida, ou seja, tudo o que somos e temos, volta sempre à Fonte, Deus, e nunca se torna nossa propriedade. Contudo, depois de ter confiado a vinha aos agricultores, o proprietário afasta-se deles. Esta expressão poderia suscitar certa angústia como se Deus se afastasse de nós, deixando-nos entregues a nós mesmos. Por outro lado, é também a imagem de um Deus que confia e deixa-nos livres para fazermos tudo sozinhos. Infelizmente, essa ausência de Deus se transforma em oportunidade para a tentação. Não vemos mais o legítimo proprietário e nos iludimos pensando que somos donos de tudo podendo, até mesmo, substituirmos o dono da vinha.
Chegada a hora da entrega, ou seja, a colheita dos frutos e o momento em que devemos devolver tudo a Deus, recordamos que não somos os donos e, então, reagimos mal. Não queremos aceitar a realidade. Tornamo-nos violentos e tentamos eliminar tudo o que nos conta uma história que não queremos ver.
O tempo da restituição, por excelência, é aquele no qual somos convidados a devolver a nossa própria vida. Entretanto, às vezes, relutamos ou não queremos devolvê-la e, então, muito sofremos. Tudo em nós torna-se luta, combate e padecimento, pois ao longo do processo não conquistamos o dom da liberdade e nos agarramos a nós mesmos com o intuito de manter nossa vida. Se não somos capazes de devolver o pouco que nos foi confiado, não seremos capazes de entregar o muito que nos foi dado, a nossa própria vida.
A resposta dos líderes religiosos do templo revela a agressividade do coração, as ações cheias de violência e o devastador vazio existencial. Eles não compreendem que eles “espancaram e apedrejaram” aqueles que foram enviados para colher os frutos da colheita. Ao predominar a autoafirmação e o domínio sobre a vinha é quebrada a relação com Deus.
Os religiosos consideram-se guardiões zelosos da lei e das ações divinas, sobretudo quando se apropriam da vinha que lhes foi entregue confiantemente. Para se manterem no poder, tornam-se surdos e cegos à mensagem anunciada. Pretensiosos e confiantes em sua própria perfeição, acreditam ser os únicos suficientes e insubstituíveis na administração da vinha.
Aprisionados pela ilusão do possuir, não aceitamos a realidade e acabamos excluindo da nossa vida Jesus, o próprio Filho de Deus. Tais como os vinhateiros expulsamos e matamos o Filho do Dono da Vinha. Tantas vezes na nossa vida pessoal, na sociedade e, até mesmo, na Igreja, não queremos saber do Filho do Dono. Excluímos e O matamos das nossas vidas e das nossas estruturas. Mesmo sabendo que a vinha é Dele, Ele não é acolhido. Ele é o primeiro dos descartados porque O consideramos uma ameaça. Suas ideias nos assustam e destituem nosso modo de pensar e de agir. É assim que acontece quando ocupamos o lugar de Deus: tornamo-nos o maior perigo para nós mesmos e para os outros.
Senhor, ajuda-me a abandonar as pretensões da ilusão do poder. Ensina-me a acolher a vida como dom precioso da tua bondade sabendo restituir todas as coisas que a mim foram confiadas. Liberta-me da agressividade e da violência para manter-me no poder da vida. Educa-me presenciando os teus cuidados, as tuas ações e as tuas promessas em minha vida. Ajuda-me a perceber a grandeza dos teus projetos e o teu desejo constante de salvar tua preciosa “vinha”.
LFCM.
Bom Dia Frei!!! Muito q pensar. Muito q rezar para pedir ao Espírito Santo, discernimento para fazer a vontade do Pai. Gratidão por me enviar. Paz e Bem.