A fragilidade Onipotente
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 24 de dez. de 2022
- 4 min de leitura
A cada ano litúrgico, Deus nos chama para um relacionamento novo e profundo. Num primeiro momento, esse chamado não é compreendido e entendido, pois sempre somos afetados por coisas novas e sentimentos diferentes que, às vezes, parece deixar Deus distante e inalcançável. O Evangelho de hoje nos assegura que, mesmo em meio aos fardos pesados da vida, Deus é “Emanuel” – Deus está conosco.
Nesta noite celebramos o nascimento de um homem que somente Deus poderia nos dar. Com o nascimento do Menino de Belém, o ser humano ganha o rosto divino e Deus assume seu rosto humano. A partir da Encarnação, Deus não está apenas presente em nosso meio, mas é humano no meio nós. Ele habita os nossos sentimentos. Ele sente como nós. Eis o mistério do Natal: o Altíssimo se faz baixíssimo, o Eterno se faz mortal, o Onipotente se faz frágil, o Santo se faz solidário com os pecadores, o Invisível se fez visível. Deus se faz frágil para que o homem possa ser forte.
O dinamismo da liturgia nos reaproxima de um Deus-Menino, na vivência do evento; e de um Deus-Homem, na profundidade do mistério. O Criador manifesta seu senhorio na história da humanidade, por meio do evento “invisível” do nascimento do Salvador. O Natal nos coloca diante do grande mistério e anúncio para a fé cristã: Deus se fez homem, amando-nos de tal modo que, se torna aquilo que nós somos para que nos tornemos aquilo que Ele é. O Filho de Deus como homem revela e possibilita o grande mistério: a divinização do homem.
Na humanização de Deus deve brotar o desejo de venerar toda a beleza do humano em nós. A partir de Jesus, tudo aquilo que é humano não é estranho a Deus: sentimentos e espaços, nascimento e morte, tempo e história, dúvidas, tentações e conflitos internos. Portanto, a beleza do cristianismo se configura sobre o modelo encarnado e vivente de Jesus de Nazaré, o Cristo. Isso implica que toda a referência a um modelo desencarnado não é cristão. A criança que nasce é a resposta de Deus ao desejo humano: é o Messias, o Cristo, o Salvador, o Emanuel, Deus-Conosco! Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da Paz!
Deus se faz menino para que os homens aprendam "a brincar" com Ele. É nisso que consiste a beleza da Encarnação: um Deus não distante do humano, mas tão próximo que se deixa ser visto na fragilidade de uma criança. O Natal do Senhor lança-nos um desafio: reconhecer o esforço onipotente de Deus ao fazer-se criança. É a criança inocente deitada nas palhas que ativará a faísca da ternura e da delicadeza no interior de cada um de nós. Natal é tempo de expandir o humano, pois olhando o lado humano de Deus, necessitamos desejar ser "humanos" como Ele.
Na narrativa popular e religiosa da Encarnação de Deus, encontramos elementos que revelam o porquê da presença de Deus no mundo. Todos esses elementos nos servem como sinal. A luz mostra que Ele vem para iluminar a escuridão do tempo: “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu”. A criação revela que Ele chega para recriar o cosmos. A mulher, representada em Maria, e o homem, em José, traz a ideia de que o Filho recém-nascido vem harmonizar o coração do homem e da mulher. Envolvido em faixas e deitado numa manjedoura, Ele vem para as crianças e para os vulneráveis. A presença dos pastores e dos magos manifesta que Ele vem para todos e não apenas para alguns. Ele vem para os excluídos e distantes, para os pobres e os ricos, para os pagãos e os impuros. O louvor da multidão celeste revela que a Encarnação de Deus é um evento importante, até mesmo, para a dimensão celeste: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados”.
A visibilidade dessas dimensões no presépio nos diz a grandeza do mistério salvífico revelado no Filho que nos foi dado. Deus assumiu forma humana não por causa do distanciamento causado pelo pecado, mas para que a criação atingisse sua plenitude: “no momento em que o Filho de Deus assume a nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade. Ao se tornar Ele um de nós, nós nos tornamos eternos”. Não é através do divino que experimentamos o humano. Pelo contrário, é de dentro da humanidade que experimentamos o divino. A história humana é sagrada em sua plenitude. É a humanidade plena de Jesus que revela o que é Deus. Na plenitude da humanidade de Jesus podemos experimentar o que significa viver além do tempo e elevar-se a uma humanidade de equilíbrio, justiça e piedade.
Ao mesmo tempo que nos aproximamos do presépio para contemplar o rosto do Menino-Deus, acessamos o mais profundo do coração humano. O presépio arranca as nossas ansiedades e ilumina, com sua luminosidade, nossas trevas interiores. Não podemos permitir que as imaginações irreais nos distanciem de Deus quando tentam inventar uma imagem Dele muito distante de tudo aquilo que é humano e real. Nossas religiões não podem tornar Deus um ser opressivo e, paradoxalmente, anti-humano e desencarnado porque o Deus “cristão” é Encarnado. Ele não é uma ideia, um conceito ou um pensamento. Ele não está escondido ou intocável. A Encarnação não é abstrata ou conceitual, mas é carnal, profundamente, real.
Deus se fez homem. O invisível se fez visível. O eterno entrou no tempo. O intocável permite ser tocado. A presença de Deus é revelada na fragilidade e não no poder; no ordinário e não no extraordinário; no humano e não no sobre-humano. Cristo nasce para que nasçamos! Mortos seríamos para sempre, se Ele não tivesse nascido no tempo. Condenados estaríamos a uma eterna miséria, se não fosse o Natal do Senhor. Neste sentido, o projeto de Deus de ser próximo ao homem, muda toda a história e a divide em duas: antes e depois de Cristo. Seu primeiro suspiro marcou o início da nossa era, estamos no “depois de Cristo”, por isso, é Ele quem faz a diferença.
Senhor, dá-me a graça de reconhecer Teu esforço onipotente na fragilidade de Teu Filho. Ensina-me a compreender que somente através de minha humanidade sou capaz de experimentar Tua divindade. Que o Teu presépio ilumine minhas trevas interiores. Clareia os meus passos e dá lucidez às minhas escolhas. Permita-me sentir-Te em meus sentimentos e nos sentimentos de meus irmãos. Que eu seja capaz de venerar a beleza de "ser humano" aceitando a divindade que habita em mim.
LFCM.
Gratidão sempre. Q texto maravilhoso!!! Tb quero ser capaz de viver nessa vida, como o Senhor sonha para mim. Feliz Natal Frei.