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A exposição do coração

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 25 de out.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 25 de out.

O Evangelho de hoje apresenta a parábola do fariseu e do cobrador de impostos, que simbolizam duas formas de rezar. Exclusiva de Lucas, essa narrativa, junto à parábola do juiz injusto e da viúva persistente, forma um pequeno tratado sobre a oração. Nelas aprendemos que nossa atitude diante de Deus revela quem somos e no que cremos. O modo de rezar expressa a imagem que temos de Deus, dos outros e de nós mesmos. Assim, a parábola do fariseu e do publicano aprofunda a reflexão sobre a fé como exposição viva e relação íntima, e como luz que orienta toda a existência.


A oração do fariseu, homem tido como “religioso” e exemplar, expõe uma fé centrada em si mesmo. Sua prece, marcada por profundo egocentrismo, repete incessantemente o “eu”, transformando o diálogo com Deus em um eco de vaidade pessoal. Cumpre as leis, é generoso e fiel às prescrições, mas converte essas virtudes em motivo de vanglória. Começa aparentando louvar a Deus, mas logo o louvor se transforma em monólogo de autoexaltação. Diante do Senhor, comporta-se como diante de um juiz, buscando justificar sua própria perfeição. Sua relação com Deus é orgulhosa e autossuficiente, como se o Altíssimo fosse mero espectador de seus méritos. Pensa orar, mas, na verdade, adora a si mesmo e, por isso, volta para casa sem justificação: sua “oração” carece de humildade, gratidão e amor verdadeiro.


O cobrador de impostos, ao contrário, entra no Templo em silêncio e expõe o seu contrito coração. De cabeça baixa e mãos vazias, oferece a Deus o que tem: a própria miséria. Ele tem consciência do que o separa de Deus e não finge uma intimidade inexistente; apresenta-se diante d’Ele exatamente como é. Bate no peito, reconhecendo que a raiz do pecado está em seu coração. Não multiplica palavras; diz apenas o essencial: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!”. Sua oração é verdadeira, nascida da consciência do próprio limite. Não se compara, não se justifica, apenas se abandona à misericórdia divina. Assim, volta para casa justificado, cheio da graça de Deus, que exalta os humildes e acolhe quem se reconhece necessitado de perdão.


Jesus não conta esta parábola apenas para ensinar a rezar, mas para revelar dois modos de expor-se diante de Deus e dos outros. A oração torna-se, aqui, o espelho que reflete o coração humano — dividido entre a verdade e a aparência. O fariseu e o cobrador de impostos representam as duas faces que coexistem em cada um de nós: a do justo aparente e a do pecador consciente.

A parábola ensina que rezar bem não depende de fórmulas, mas de verdade e sinceridade. O fariseu, centrado em si, ignora a Deus e a própria alma; o cobrador, reconhecendo sua pobreza, abre-se à graça. Sua humildade o torna capaz de experimentar a misericórdia divina e de conhecer a verdade que liberta. Só quem se apresenta a Deus sem máscaras encontra o amor gratuito que transforma e salva.

A vida do fariseu permanece sem reconciliação, enquanto o cobrador de impostos é reconciliado com seus limites e pecados. A verdadeira oração nasce do reconhecimento da própria fragilidade diante das adversidades do tempo e da história. Quando aceitamos nossas imperfeições, abrimo-nos à graça que transforma e aprendemos a acolher as fraquezas dos outros com ternura e compaixão.

O fariseu, porém, coloca o próprio ego no centro, incapaz de sair do “eu” que o aprisiona em sua vaidade. Sua oração é uma busca de si mesmo, não de Deus. O cobrador, ao contrário, ora com o “Tu”, dirigindo-se sinceramente ao Senhor e reconhecendo sua condição pecadora. Ele não esconde suas misérias, mas as oferece com humildade e, assim, encontra em Deus a misericórdia que o fariseu jamais experimenta.

A parábola do fariseu e do cobrador de impostos ensina que a verdadeira oração nasce da humildade e da consciência de nossa total dependência de Deus.

Rezar é, antes de tudo, colocar-se diante d’Ele como se é: sem máscaras, sem fingimentos, sem exibir virtudes nem medir-se pelos outros. É desnudar a alma, abrir-se por inteiro, até mesmo confessando a própria dificuldade de orar e a ausência de fé que, por vezes, habita o coração.

Rezar é permitir que o “eu” dê lugar ao “Tu”, reconhecendo que tudo o que somos e temos vem d’Ele. A autêntica oração cristã não se limita aos templos, mas acontece onde quer que o coração se abra ao amor do Pai, à ternura do Filho e ao sopro do Espírito. Orar é viver em comunhão com o Mistério divino que nos sustenta e transforma. Quando reconhecemos nossa pequenez, Deus se torna grande em nós. Assim, a oração se faz vida, gratidão e entrega: um louvor sincero que brota do encontro entre a fragilidade humana e a infinita misericórdia divina.


Senhor, ajuda-me a reconhecer minhas limitações diante de Tua grandeza e amor, para que eu possa verdadeiramente Te conhecer. Coloca no centro da minha oração o “Tu”, lembrando que dependo do Outro para receber e oferecer misericórdia. Dá-me um coração humilde e sincero, consciente de que sou justo e pecador. Que o louvor pelos dons recebidos e o reconhecimento de minhas falhas fortaleçam e sustentem sempre minha esperança.

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