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A elevação do humilde

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 27 de ago. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 1 de out. de 2022

O contexto do Evangelho de hoje é uma refeição festiva na casa de um fariseu e Jesus é um dos convidados. Na tradição judaica, o encontro à mesa é cheio de significados, sobretudo, quando acontece num contexto festivo ou em dia de sábado. O banquete, como sempre acontecia nas culturas antigas, não era apenas uma simples refeição, um momento para estar juntos, talvez discutir negócios, mas também uma ocasião de autocelebração, um lugar para ser visto e demonstrar o poder. O diálogo era variado. Falava-se de política, problemas familiares e sociais. Os temas morais, teológicos e religiosos eram discutidos, em particular, quando algum rabino estava presente. Os mestres e doutores aproveitavam estes banquetes para expor doutrinas e ensinamentos. O próprio Jesus revelou muitos dos seus ensinamentos sentado à mesa (Lc 5,29; 7,36; 9,17; 10,38; 11,37; 14; 19,1; 22,7-38).


Os lugares à mesa eram distribuídos com cuidado e distinção. Para a divisão era considerada a posição social, a função religiosa e a idade. Jesus está atento à divisão dos lugares, provavelmente, feita por um dos empregados. Ele observa que alguns convidados escolhem os primeiros lugares e vê o constrangimento de quem se sentou num lugar não reservado para si, tendo que ser deslocado desta posição porque alguém mais estimado ou prestigiado deveria ocupar aquele lugar.

Em meio a este contexto de constrangimento e vergonha, Ele introduz duas parábolas com as quais oferece dois ensinamentos: um relativo ao lugar e outro à recompensa. A primeira parábola foi dirigida aos convidados e a segunda àquele que convidava.

Na primeira parábola, falando aos convidados de um banquete, Jesus quer recordá-los que o importante não é o lugar que se ocupa, mas a participação no banquete. Lendo a passagem com atenção, observa-se a frequência de uma palavra: convite, convidados. Essa palavra é traduzida por chamado. Entra na festa aquele que acolheu o convite. Há um segundo detalhe: a maneira com que fala Jesus. É surpreendente! Ele não fala como um convidado, mas como se fosse o dono da festa. Essas duas simples observações são suficientes para nos fazer entender que essa festa é uma metáfora utilizada pelo evangelista Lucas para orientar sua comunidade. Nesta época, nas comunidades explodiam problemas e desacordos relacionados com a precedência e a autoridade. Alguns queriam se sobressair, com muita vaidade, tornando-se protagonistas principais da história.


Mesmo sendo um convidado, Jesus torna-se o mestre da mesa e ensina um critério prudente de valor ético-teológico. Ele convida a não se colocar em evidência para não ser deslocado de modo obrigatório. Com isso, possui um olhar lúcido sobre a realidade e não tem o simples interesse de recordar as etiquetas na mesa. Jesus mostra sempre o caminho da humildade porque é o mais autêntico e o que permite as relações autênticas. A motivação dos que buscam os “primeiros lugares” pode ser expressão de uma interioridade vazia e estéril, reveladora das necessidades egocêntricas, desejo de “aparecer” diante dos outros para autoafirmar-se, sentindo-se superior aos outros, humilhando-os e desprezando-os. Não há necessidade de procurar atenção dos outros e considerações mundanas. Estar numa festa é responder a um convite, um chamado, uma oferta gratuita; não é, e nem deve ser, um direito, uma conquista.


A verdadeira grandeza do homem mede-se pela nobreza do seu coração e pela coragem com que enfrenta a vida. O Evangelho adverte para não perder tempo tentando ser o melhor em tudo, vivendo de aparências. Jesus sabia que quando o homem fica obcecado pelas esferas do poder, os preços a serem pagos são altíssimos. Quem permanece no seu lugar, sem pretensões irrealistas e doentias, escolhe a humildade.

Assim, aquele que consegue reconhecer que o seu valor não depende de uma visibilidade e do julgamento alheio, é uma pessoa humilde. A humildade é a verdade e a aceitação de nossa condição. É nessa aceitação que somos elevados à condição divina. Desse modo, aqueles que buscam posições de prestígio mostram que não compreendem a vida de Jesus e a dinâmica do Evangelho e, por isso, vivem em busca de compensações mundanas e de privilégios humanos.

A humildade não consiste em fazer nada por considerar-se incapaz. Ela não tem nada a ver com o complexo de inferioridade daqueles que preferem permanecer nas margens e se colocam nos últimos lugares com medo de errar e serem humilhados. A humildade não é a de quem não faz nada e julga os outros com autoritarismo e perversão. Não é de quem sempre diz: “Sou um pecador”, mas não acredita ser realmente um pecador. O homem humilde é aquele que aceita serenamente o lugar dado por Deus cumprindo a tarefa proposta com franqueza e mansidão e acolhendo as alheias e próprias fragilidades de forma reconciliada. Por isso, os humildes são capazes de viver felizes na situação em que se encontram e estão disponíveis para o verdadeiro serviço. Aquilo que os movimenta ao serviço é a gratidão e reconhecimento do dom de Deus.


Na segunda parábola, Jesus dirige-se ao fariseu: "Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos”. A atmosfera não está boa para ninguém. O fariseu estava de acordo com as convenções sociais e convidou quatro categorias de pessoas: amigos, irmãos, parentes e vizinhos ricos. A tentativa de Lucas ao recordar a intervenção de Jesus nesse banquete era de alertar que as comunidades não deviam viver de forma farisaica.

Para Jesus, a conduta dos convidados e do chefe fariseu foram uma ocasião privilegiada para propor os valores do Reino. As relações autênticas não são baseadas em atitudes comerciais e em reconhecimentos humanos, mas no dar e receber generosamente, acolhendo com gratuidade todo aquele que nada pode oferecer em troca. O caminho a ser escolhido é o da gratuidade e não o do cálculo oportunista que deseja alcançar uma recompensa.

Neste sentido, as comunidades devem escolher outras categorias: os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. Esses não eram admitidos nos templos judaicos. Suas condições físicas eram sinal claro da ausência do estado de graça e eles não tinham chance de compor a assembleia dos israelitas, pois ela deveria ser constituída por pessoas perfeitas, puras e sem defeitos, inclusive, defeitos físicos. Jesus anuncia que veio para iniciar um novo banquete, um banquete em que os excluídos também são convidados. Seu discurso dirige-se a todos os membros da comunidade cristã encarregados de organizar o Banquete do Reino. Pede que tenham coragem de seguir novos critérios, opostos aos adotados pela sociedade civil ou pela tradição religiosa.


A lógica divina não consiste numa troca de tipo comercial que falsifica as relações, mas na generosidade gratuita e na gratuidade generosa. Na escola de Jesus, os primeiros são reprovados e os últimos são promovidos. Não é fácil assimilar esta lógica divina. Desde o início, as comunidades sofreram tensões devido à discriminação imposta pelos critérios deste mundo. O maior terror da humanidade é ser relegado ao segundo posto ou preferido no lugar de outro. É desse aspecto que nascem os conflitos nas diversas dinâmicas da sociedade: aprende-se a fazer narrativas falsas para não perder o primeiro lugar e a desconstruir histórias pessoais. Naquele tempo, como hoje, sempre existiu e existe a busca pelo primeiro lugar e pelos privilégios. Portanto, é necessário estarmos conscientes do desperdício de energia que se tem quando se deseja viver ou ocupar os primeiros lugares numa tentativa clara de autocelebração e demonstração de poder. Tal tentativa está distante do autêntico serviço cristão e da participação ao banquete do Reino.


Senhor, liberta-me da obsessão pelos primeiros lugares e pelos privilégios humanos. Livra-me de uma interioridade vazia e estéril que vive de aparências e depende de considerações mundanas. Dai-me humildade para aceitar-me e corresponder ao teu chamado de amor. Ensina-me a gratuidade e a generosidade: virtudes necessárias para vivenciar o teu Evangelho e participar do teu Reino de amor e paz.


LFCM.

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2 comentários


Marcia Severo
Marcia Severo
04 de set. de 2022

Olá Frei qto tenho q viver e aprender a ser humilde, para poder participar do Reino de Amor. Gratidão sempre. Paz e Bem. 🌻

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Paulo Domiciano Osb
Paulo Domiciano Osb
28 de ago. de 2022

Ensina-nos, Senhor, o caminho da humildade.

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