A delicadeza de Deus
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 22 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de abr.
Na subida para Jerusalém, Jesus mostrou as exigências do seguimento para os seus discípulos. Ele falou do principal mandamento, respondeu questões importantes, ensinou a rezar, curou, libertou pessoas pelo caminho e exortou sobre a insensatez dos fariseus. Mais do que uma subida geográfica, com um destino específico, a caminhada foi espiritual com intuito de transformação interior. O texto de hoje está inserido numa sequência de ensinamentos, após um dos tantos conflitos com os fariseus e mestres da lei.
Na mentalidade do tempo, baseada na falsa ideia de Deus, supunha-se que as catástrofes fossem castigos que Ele enviava aos culpados. A mente supersticiosa, moralista e medrosa interpretava todos os acontecimentos, a partir da condenação e da punição divina.
Essas pessoas relacionavam os sofrimentos e as tragédias com o pecado. Para eles, os trágicos acontecimentos serviam como vingança e admoestação de Deus. Eles acreditavam que Deus utilizava de terríveis fatos para assustar e apavorar com o desejo de conversão.
Jesus não podia compactuar com esse entendimento, pois desejava romper o raciocínio mental entre o pecado e o sofrimento. Ele desejava restituir a imagem verdadeira do Deus bom, que não queria o mal e nem a morte, mas a conversão e a vida. O Mestre oferecia aos seus seguidores a imagem original de Deus. O Deus de Jesus não podia ser um juiz com um catálogo de leis nas mãos com o tempo destinado para controlar, vingar e punir.
A existência de Deus controlador, vingativo e punitivo era impossível para Jesus, conhecedor perfeito do mistério do Pai. A imagem de Deus oferecida pelo Cristo não era judicial, mas compassiva. Então, na intenção de reelaborar a genuína imagem de Deus, Jesus contou a parábola que se encontra apenas no Evangelho de Lucas. O proprietário da vinha plantou uma figueira e não encontrou seus frutos no tempo previsto da colheita. A árvore estava estéril. Levado pela desilusão e pela frustração, ele pensou em cortá-la e realizar uma nova plantação. Entretanto, antes de realizar o corte, chamou o vinhateiro, manifestou-lhe sua insatisfação diante da planta infrutífera. Intimou para que cortasse e abrisse um espaço no terreno para nova plantação de árvores frutíferas.
O vinhateiro sabendo de seus esforços para com aquela árvore, não hesitou e pediu ao dono da vinha um tempo a mais. Ele queria dedicar-se com mais atenção e delicadeza à figueira, embora soubesse que havia tentado por três anos e ela, nada havia produzido.
Ele queria oferecer um trabalho terapêutico e processual. Desejava curar as raízes profundas da árvore e descobrir qual a real necessidade daquela planta. Cavando, ele resolvia o problema do solo infértil e adubando, ele oferecia melhores condições para a frutificação. A esterilidade externa da figueira manifestava a necessidade de um cultivo interno, uma atenção às raízes profundas e um tempo diferenciado para curar aquela aparente condição de esterilidade.
Extraordinária é a fé do vinhateiro na figueira. Ele é o mediador entre a figueira e o proprietário da vinha. Ele tem paciência, estava disposto a esperar e a oferecer o tempo de trabalho necessário para ver os frutos. Embora, a figueira continuasse a não florescer, ele não a cortaria, mesmo sendo o cuidador e não o dono da vinha. Ao contrário dos outros evangelistas que falam de um figo estéril que seca quase instantaneamente (cf. Mc 11,12-24; Mt 21,18-22), Lucas, o evangelista da misericórdia, apresenta o tempo da espera. Ele nos apresenta um Deus paciente com a fraqueza humana e capaz de compreender a mente e a dureza do nosso coração. Ele tranquiliza sua comunidade, mostrando a delicadeza e a bondade de Deus, diante da resistência do ser humano em seu lento processo de conversão.
O Cristo, nosso intercessor, revela a verdadeira face de Deus. Um Deus que escuta e tem paciência. Não obstante a “esterilidade” da nossa existência. Ele sabe que a esterilidade da vida não depende apenas da nossa força interior, mas de condições externas que fogem à nossa vontade. Ele entende que a conversão não é um fato individual, nem uma proposta idealista ou moralista, mas uma transformação real do universo em que vivemos. O apelo à conversão, no fim dos tempos, retoma o desejo constante do Deus misericordioso e compassivo que não deseja a morte do pecador, mas que ele encontre vida plena e digna. Nossa conversão é a resposta mais sublime ao divino amor oferecido por Jesus.
Senhor, ensina-me a caminhar contigo transformando meu interior. Dá-me a graça de conhecer o mistério do Pai encontrando-O na misericórdia e na compaixão. Instrua-me a respeitar e aceitar o Teu tempo para que minha árvore possa frutificar. Conceda-me o dom da fé para que eu possa experimentar em minhas fraquezas humanas a Tua delicadeza.
Excelente reflexão. O evangelista Lucas sabe nos mostrar com previsão a delicade,a de Deus e a sua miserivordia.