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A decisão da proximidade

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 12 de jul.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de jul.

Um doutor da Lei se aproxima de Jesus e pergunta: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” A pergunta parece simples demais para alguém tão instruído. Seu objetivo era colocar Jesus à prova, testar Sua paciência, sabedoria e compaixão. Ele quis intimidar, coagir e constranger o Mestre diante dos seus discípulos e daqueles que estavam ao seu redor. Jesus não responde diretamente, mas devolve com outra pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?” O doutor responde corretamente, citando a Escritura: “Amarás o Senhor teu Deus [...] e ao teu próximo como a ti mesmo.” Uma resposta perfeita, porém teórica. E Jesus conclui: “Faze isso e viverás.” Ou seja, não basta saber a Lei, é preciso vivê-la concretamente.


Não satisfeito, o doutor insiste: “E quem é o meu próximo?” Percebemos que, nas duas perguntas do legista, o foco está sempre em si mesmo: “Que devo fazer?” e “Quem é o meu próximo?” Seu erro está em acreditar que tudo gira ao seu redor, como se fosse o centro do universo. Como uma criança iludida, enxerga o mundo a partir de si, dos seus romantismos e de suas próprias necessidades. Jesus então conta a parábola do homem assaltado no caminho entre Jerusalém e Jericó. Ele está caído, espancado, quase morto. Passam por ele um sacerdote e um levita. Vêem, mas passam adiante. Não querem se contaminar, talvez por estarem mais preocupados com obrigações religiosas do que com o sofrimento real.

Mas, ao contrário deles, um samaritano se comove, aproxima-se e age. Ele cuida das feridas do homem, leva-o a uma hospedaria, paga por sua recuperação e promete voltar.

Os samaritanos eram o oposto dos dois religiosos puros e observantes da Lei. Eram considerados impuros, cismáticos e hereges. Detestados pelos judeus e frequentemente em conflito com eles, eram vistos como indignos das promessas de Deus. No entanto, diante de um homem necessitado, o samaritano não segue raciocínios, mas o coração. Ele não calcula méritos, não mede consequências religiosas.

Age movido por compaixão verdadeira, que é mais do que um sentimento: é ação concreta. Ele esquece seus compromissos, normas religiosas, o cansaço, a fome e o medo. Age de imediato, sem esperar reconhecimento ou recompensa, movido apenas pelo desejo sincero de agradar a Deus e pela compaixão humana diante do sofrimento. A compaixão do samaritano se expressa em gestos concretos.

Ele não se limita a observar, mas decide cuidar: aproxima-se, enfaixa as feridas, derrama azeite e vinho, carrega o homem, leva-o a um lugar seguro e se interessa pelo seu futuro. Compromete-se a retornar, caso seja necessário, e deixa duas moedas para garantir a continuidade do cuidado. A compaixão, como expressão da misericórdia divina, não é apenas um sentimento, mas uma ação efetiva.

Nada disso é extraordinário. O samaritano não realiza grandes milagres, mas faz o necessário com honestidade e sensibilidade. Cuidar das feridas do outro não exige gestos heroicos, mas a coragem de assumir o sofrimento do outro como próprio.

O próximo não é uma responsabilidade social delegada a instituições ou a outros. É minha responsabilidade pessoal. Jesus não nos convida a simplesmente identificar quem é o próximo, mas a tornar-nos próximos. O samaritano não provou que o ferido era seu próximo, mas mostrou-se próximo dele. A proximidade não é um status, mas uma decisão, uma ação concreta. Essa parábola é profundamente iluminadora e tem muito a nos ensinar para a vida cotidiana. A única escolha cristã possível é a da proximidade. Qualquer outra opção, seja a frieza dos religiosos legalistas ou a violência dos assaltantes, deixa os caídos na beira da estrada e exclui aqueles que podem nos dá a vida eterna como herança.


O Evangelho de hoje nos ensina o verdadeiro sentido da proximidade. Se o “doutor da Lei” que habita em cada um de nós deseja alcançar a vida plena e a felicidade verdadeira, precisa mudar seu modo de ver. É necessário aprender com o samaritano: tomar a iniciativa e deixar-se mover pela compaixão. Viver centrado apenas em si mesmo, mesmo com o objetivo de se tornar melhor ou mais ético, não basta. A vida só se torna plena quando mudamos o olhar, invertendo a perspectiva, e começamos a refazer as perguntas mais profundas da nossa existência.


Essa mudança de perspectiva é essencial. O Evangelho não nos chama a uma vida religiosa vazia, mas a uma fé vivida na prática do amor. Não basta ver o sofrimento, é preciso assumi-lo como responsabilidade pessoal. A vida plena e a verdadeira realização espiritual não vêm apenas da busca interior por perfeição, mas do momento em que mudamos o olhar e deixamos que a dor do outro nos toque e nos mova à ação.

 

Senhor, livra-me de pensar tudo a partir de mim mesmo e da Lei. Ensina-me a não buscar recompensas por méritos, mas a viver segundo a lógica generosa do Evangelho. Que eu compreenda que a misericórdia é mais ação do que sentimento. Ajuda-me a sair de mim para tornar-me próximo de quem precisa, onde quer que esteja, e assim encontrar a verdadeira vida, a alegria plena e a realização que vem do Teu Reino.

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1 comentário


Marcia Severo
Marcia Severo
13 de jul.

Bom Dia Frei!!! Gratidão por me enviar tantos ensinamentos, dentro da lógica do Senhor. Paz e Bem!!!

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