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A aventura da felicidade

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 6 de nov. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de nov. de 2021

Existe uma imagem de santidade que facilmente nos coloca e pode ser colocada em crise. Quando pensamos nos santos, é instintivo percebê-los como figuras heroicas, gloriosas e excepcionais, com a face angelical e mãos postas. Tal percepção faz com que a razão logo pense na impossibilidade de ser como eles. Nos dias atuais, eles nos parecem tão raros e tão distantes da nossa realidade. No entanto, são inúmeros na história e merecem nossa admiração, respeito e reconhecimento. Precisamos deles, pois sua presença em nossa vida é crucial a fim de nos servir como prova concreta de que o Evangelho é uma notícia verdadeira, bela e praticável.

Hoje não trazemos em nossa memória os santos conhecidos ou aqueles que prestamos nossa devoção. Trazemos o incontável número de testemunhos desconhecidos: veneramos os santos que estiveram e que estão no meio de nós.

Esta solenidade faz memória de tantos santos e santas que não foram reconhecidos pela Igreja. Entretanto, foram conhecidos nas particularidades de suas vidas, tocando a nossa história. Esses santos e santas não foram pessoas preservadas do pecado e das crises humanas. Contudo, dentro das fragilidades e vulnerabilidades da peregrinação terrena, souberam vivenciar a aventura do amar a Deus.

Hoje, talvez, os santos que celebramos nunca tenham tido visões, nem mesmo sonhado com realidades metafisicas, nem sequer proclamado profecias. Também, não tenham sido “magos” operadores de prodígios e milagres e não tenham massacrado suas carnes com os “prazeres” da penitência.

A citação da exortação apostólica sobre a santidade de papa Francisco é oportuna: “gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ao pé da porta, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da classe média da santidade” (GE 7).


Reconhecer os muitos santos ocultos é uma questão de olhar: “vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus!” (1Jo 3,1). O texto das Bem-aventuranças de Mt 5,1-12, inaugura o ensinamento de Jesus e nos apresenta situações paradoxais que o discípulo é chamado a viver sem ceder à ditadura do fenômeno. Dessa maneira, os bem-aventurados são aqueles que não se deixam esmagar pelo peso da realidade.


As oito bem-aventuranças podem ser divididas em dois grupos. As quatro primeiras indicam situações pessoais de necessidade. Há pessoas que carecem de alguma coisa: de grandeza e sucesso humanos, de consolo em suas tristezas, de forças para reagir, de justiça para reivindicar seus direitos. No entanto, na visão de Jesus, existem nelas, o princípio da beatitude. Ao contrário, as outras quatro bem-aventuranças descrevem relações e ações que dizem respeito à felicidade encontrada quando vivemos atitudes saudáveis com os outros: são felizes aqueles que têm misericórdia dos outros e não se deixam levar a julgamentos precipitados; são felizes aqueles que têm um olhar puro sobre as mais variadas situações; são felizes aqueles que trazem paz e não criam conflitos; são felizes aqueles que são perseguidos porque buscam a justiça e não escondem a verdade.

Com efeito, a partir das bem-aventuranças, a santidade não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas seguir todos os dias este caminho que nos conduz ao céu levando-nos à família de Deus.

Atrás de todos os esforços de conversão e de discernimento, de reforma e de ações inspiradas a partir do Evangelho e da leitura dos sinais dos tempos, temos a necessidade que nos vem endereçada de fora: que a Igreja seja santa e viva movida pelo Espírito de santidade. Neste sentido, é preciso rever nossas posições pois o mundo quer-nos santos evangelicamente e espera que não nos resignemos com uma vida desumana, irreal, medíocre, superficial e indecisa.


A palavra utilizada por Jesus não indica uma meta e nenhuma recompensa resultante de um esforço individual. A santidade não é a busca de um perfeccionismo autorreferencial, nem um cumprimento virtuoso de leis que nos servirão de garantia futura. Ela é a maneira original de viver o Evangelho. É, por isso, que Jesus usa um adjetivo indicando a forma de estar nas diversas situações da realidade humana: no choro, no desamor, no desamparo e no desvalor. Esse é o paradoxo: a felicidade pode ser vivenciada, até mesmo, em situações dolorosas da nossa história pessoal. Justamente, são nessas situações em que se cria espaço para Deus, se gera esperança, se cresce no amor e se entende que a felicidade não é fruto do esforço humano, mas é a forma de corresponder a um dom recebido.

Ser santo é a plena aceitação daquilo que é humano: Deus nos fez homem e não anjos. A ideia de santidade como algo distante daquilo que é humano é estranha à lógica de Cristo, ao Evangelho e à fé cristã. Portanto, a santidade é a busca de uma humanidade reconciliada e integrada para fazermos comunhão com os habitantes dos céus.

A aventura da felicidade consiste em fazer as pazes com os anjos e os demônios que nos habitam. Fazer a conciliação com as luzes e as sombras que nos acompanham. Neste sentido, essa aventura é um ato de reconciliação com a nossa humanidade frágil e uma ação de aceitação com a nossa vulnerabilidade cruel dispondo-nos constantemente de confiar tudo isso nas mãos de Deus e reconciliando-nos conosco mesmos no desejo de amar a Ele de todo o coração e ao próximo como a nós mesmos.

Senhor, reconheço a santidade naqueles que souberam vivenciar a aventura de te amar em meio as diversas situações quotidianas. Ser santo não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas seguir todos os dias o caminho que nos conduz à tua presença. Ensina-se a vivenciar tuas palavras através da aceitação das minhas fragilidades e vulnerabilidades. Ajuda-me a viver essa aventura de forma verdadeira e concreta.


LFCM.


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1 comentário


Marcia Severo
Marcia Severo
06 de nov. de 2021

Gratidão sempre por suas palavras. Essas estão maravilhosas com simplicidade,nos ajudam a acreditar e querer sempre ficar perto do Pai. Paz e Bem.

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