A autêntica vida
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.

- 30 de set. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de out. de 2023
Um pai e dois filhos são os personagens centrais da parábola de hoje. Vemos dois irmãos com personalidades diferentes e com um modo contrário de ver e de se relacionar com o pai. Neste momento, Jesus não está se dirigindo às grandes multidões como noutras ocasiões, mas àqueles que se consideram portadores de sabedoria, conhecedores da Lei de Deus e fiéis guardiões da verdadeira tradição. Ao narrar essa parábola diante dos anciãos e sacerdotes, Jesus quer envolvê-los na arte do discipulado e quer questionar o modo religioso com que vivem a relação com Deus.
A reação dos dois filhos é bem clara. O primeiro recebe o pedido do pai e prontamente responde de forma negativa: “não quero”. Esse um pouco mais adiante, reflete, se arrepende e vai ao trabalho. Todo caminho de maturidade passa pela transgressão. Esse é o modo de afirmar a identidade e a diferença. O segundo ao receber o pedido diz sim, contudo não vai ao trabalho. Diante das respostas, Jesus pergunta: que vos parece? Qual dos dois fez a vontade do pai? Os anciãos e sacerdotes, sem duvidar e refletir, respondem de forma imediata que foi o primeiro filho. Jesus tenta mostrar que o que importa não são as aparências externas, o cumprimento da Lei, mas o comprometimento com o desejo do Pai.
A diferença dos dois filhos não reside no fato de um ter dito sim e o outro não, mas na disponibilidade do coração, na autenticidade da conversão e no compromisso com a ação. O segundo filho trata o pai como um patrão e não como um pai: “Sim, senhor, eu vou”. Ele responde ao pai no dever de um empregado e não na liberdade de um filho. O primeiro filho é um pouco mais livre na relação com o pai. Ele tem a coragem de negar o pedido e desrespeitar a relação paterna ao demostrar o seu não querer, mas depois muda de opinião e vai. Desse modo, ele revela que não é empregado da vinha e nem escravo da sua hostilidade, mas filho. O bom filho é quem age com verdade. Sua autenticidade garante a possibilidade de voltar atrás na rebeldia e repensar sua negação à vontade do pai.
O evangelista Mateus compara os religiosos, sacerdotes e anciãos do povo com aqueles que dizem "sim" e não se comprometem com o desejo do Pai. Eles dizem sim a tudo: à vida, a Deus e ao Estado, mas não são capazes de ir até o fim em suas respostas. Tornam-se incoerentes, seguidores de um patrão e não filhos de um pai. Os que dizem “não” são comparados àqueles que aparentemente não obedecem às regras e não seguem a vontade do pai, mas são capazes de voltar atrás e converter o coração das rebeldias e das hostilidades humanas. Mediante a isso, Jesus exalta as prostitutas e os publicanos, pois em seu tempo, sacerdotes, anciãos, publicanos e prostitutas revelam uma estrutura em constante conflito. A separação e a diferenciação dessas categorias de pessoas eram bastante claras. Publicamente não podia haver qualquer relação entre elas. Um simples gesto de acolhida ou de respeito social era motivo de impureza e distanciamento das coisas sagradas.
A precedência das prostitutas e dos publicanos no Reino são palavras de Jesus que soam não apenas provocativas, mas profundamente exageradas aos nossos ouvidos. As prostitutas e os publicamos aparentemente dizem não à uma vida adequada a partir da esfera religiosa, contudo não veem a Deus como um patrão, mas como um Pai. A relação que estabelecem com Deus é mais livre porque sabem que dependem Dele para tudo.
Além do mais, a exaltação feita por Jesus não está no nível da pureza ou da justiça, mas na liberdade com que vivem essas pessoas. Elas não vivem de fingimentos ou de subterfúgios enganadores. Todas sabem como são, onde estão, como se vestem (ou não se vestem), como se comportam (ou não se comportam). É por esta autenticidade de vida que são elogiados por Jesus, pois Ele via em seus corações: verdade, humildade e humanidade.
A "parábola dos dois filhos" chamados a trabalhar na vinha do pai está dirigida especialmente à infidelidade dos dirigentes religiosos, pois eles dizem, mas não fazem; são fiéis por fora, mas incoerentes por dentro. O importante é ter consciência de que os dois filhos vivem dentro do nosso coração. Mais do que um homem ter dois filhos, podemos dizer que um homem tem dois corações. Ora racionalizando a relação com Deus e tratando-O como um poderoso chefão, dizendo sempre “sim” às suas regras, mesmo sabendo que não sou capaz de cumpri-las com liberdade, coerência e amor. Ora estabelecendo uma relação simples e livre, não racionalizando, pautada na amizade e na paternidade, talvez dizendo “não” aos seus pedidos imediatos e revoltando-me de forma momentânea, mas capaz de voltar, arrepender-me e realizar o pedido do Pai.
Quando o nosso “sim” ou “não” são incoerentes com o que praticamos e vivemos, eles geram ansiedade, medo e insegurança criando imagens deturpadas de Deus jamais existentes. Essa angústia nos torna rígidos, legalistas e infelizes deixando em nós marcas de mediocridade e de hipocrisia. Na relação com Deus não podemos fingir ou sermos falsos. Não podemos viver vida dupla. A verdade, a honestidade e a clareza na relação com Deus nos livram dos infernos noturnos e futuros e nos garante uma vida luminosa com liberdade plena.
Os dois filhos mencionados na parábola do Evangelho expressam duas atitudes que coexistem em nós ou duas reações que se alternam em nossas vidas em relação ao bem e à vontade de Deus. A ambiguidade em nosso coração revela as contradições da existência, os desejos escusos e as vontades sombrias, mas revela também sensibilidade, misericórdia e desejo de uma relação saudável com Deus. Portanto, a mensagem da parábola não é sobre ambiguidade, mas sobre autenticidade. O sonho de Deus é ter em sua casa não simples empregados, mas filhos livres, adultos, autênticos, que sejam capazes de fecundar a história com autenticidade, liberdade, coerência e coração indiviso.
Senhor, ajuda-me a integrar aquilo que vive dentro de mim para tornar-me cada vez mais coerente e autêntico. Ajuda-me a manter clara e saudável minha relação com a paternidade. Ensina-me a comportar-me como filho e não como empregado. Que as minhas rebeldias, transgressões e negações sejam sempre sinais de maturidade, de identidade e de liberdade.


Bom Dia Frei. Gratidão por palavras de esclarecimento e q nos caminhos a percorrer. Paz e Bem.