O último ato do Ressuscitado
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 28 de mai. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de jun. de 2022
Na narrativa da Ascensão de Jesus, o evangelista Lucas, ao final do seu Evangelho e no início dos Atos dos Apóstolos, une o tempo da presença do Senhor na terra com o começo da vida da Igreja. Embora os dois relatos tenham sido escritos pelo mesmo autor, o mesmo evento pode ser lido, a partir de duas diferentes perspectivas. Nos Atos, a Ascensão ocorre 40 dias após a Ressurreição (cf. At 1,3), enquanto no Evangelho, acontece no fim de tarde daquele “dia sem fim”, “o primeiro da semana”, dia da descoberta do túmulo vazio e da aparição do Ressuscitado às mulheres (cf. Lc 24,1-12).
Neste itinerário pascal fomos educados a mudar a nossa forma de ver o mistério de Deus, sobretudo, quando fizemos memória dos encontros que o Ressuscitado teve com seus discípulos. Eles precisam deixar a culpa da traição e o remorso da negação para aprenderem a encontrar o Ressuscitado em todos os lugares e não mais em espaços fechados em si mesmos.
Os quarenta dias transcorridos entre o evento da Ressurreição e a Ascensão aos céus fizeram com os discípulos sintetizassem a missão de Jesus e compreendessem o início da missão deles. Eles deviam dar continuidade ao projeto do Senhor. A Ascensão ao céu inaugura uma nova forma da presença de Jesus no meio de nós motivando-nos a ter olhos e coração para O encontrar, servir e testemunhar.
Também, o relato da Ascensão estabelece uma continuidade entre o caminho histórico e a vinda gloriosa do Senhor. Aquele que caminhou no meio do seu povo e subiu aos céus é o mesmo que virá: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu virá do mesmo modo como O vistes partir para o céu”. A segunda vinda e o caminho quotidiano de Jesus estão em estreita continuidade: para conhecer, confessar e testemunhar a vinda. Não é necessário olhar para o céu, mas recordar os passos dados por Ele na terra. A humanidade de Jesus atestada pelos Evangelhos é o magistério que indica aos cristãos o caminho a seguir para dar testemunho Daquele que, tendo subido ao céu, não está fisicamente presente entre os seus, mas continua realizando a promessa de vida e salvação.
Na leitura de Lucas, a Ascensão é tempo de retorno: se o primeiro Adão fugiu da presença de Deus, o novo Adão retornou à casa do Pai e abriu esse caminho para todos. Na Encarnação, Deus desceu para assumir a carne humana. Na Ascensão, Ele subiu para fazer com que a carne humana habitasse Deus eternamente; para que todos tornássemos “participantes da sua divindade”. Por isso, a Solenidade da Ascensão do Senhor apresenta muitos significados e nos convida à memória do nosso futuro e da nossa participação definitiva na natureza de Deus.
Ele subiu aos céus não para se afastar da nossa humanidade, mas para nos dar a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade: “membros de seu corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória”. Se este é o destino de todo homem, a morte não é mais assustadora, Jesus a transformou em um nascimento para a vida com Deus.
À luz das Escrituras, os discípulos entenderam que Jesus não havia ido embora para outro lugar, mas permanecido com os homens. Sua maneira de estar presente não é mais a mesma. No entanto, não é menos real do que da primeira vez. Antes da Páscoa, Ele estava condicionado aos limites do tempo e do espaço que estamos sujeitos. Depois da Ascensão, Ele pode estar em todos os lugares e com todos os homens num único tempo. Dessa maneira, a Ascensão não diminui o mistério da presença de Cristo, mas a expande e a multiplica.
A Ascensão não revela a conclusão da missão de Jesus, mas o começo de uma nova forma de missão. Ela é a dilatação da presença e da força de Cristo. Ele quis livrar-se do tempo e do espaço para estar definitivamente presente em todos os tempos e espaços. Por isso, a Ascensão possibilita todo ser humano dizer: encontrei o Ressuscitado! Quando Jesus voltou para o Pai, levou consigo toda a nossa humanidade. Desde então, sob o olhar do Pai está toda a realidade humana, alegrias e tristezas. Tudo aquilo que é humano é conhecido por Deus. Ele experimentou o trabalho, o sofrimento e a morte para nos dar o sentido.
Antes de Sua subida aos céus, Jesus ergueu as mãos e abençoou seus discípulos. Também, a benção foi o último ato do Ressuscitado. Este gesto é novo porque até o presente momento, Ele nunca havia abençoado seus discípulos. A bênção de Jesus acompanhou a comunidade, serviu de promessa e garantia de êxito para a obra que iniciariam seus seguidores. Na Bíblia, a bênção indica força, energia que desce do alto e produz vida. Então, no momento final da sua “despedida”, Ele os abençoou e lhes concedeu a força. Na benção final de Jesus, está o “bem-dizer”, o início da missão dos discípulos. O evento aconteceu em Betânia, no Monte das Oliveiras, local de onde Ele havia partido para sua entrada triunfal em Jerusalém.
Antes de abençoá-los, Jesus solicitou-lhes três missões apostólicas: anunciar Sua Morte e Ressurreição, pregar a conversão e perdoar os pecados. O anúncio do mistério da Redenção sintetiza toda a missão de Jesus e todo o projeto do Pai. Ele enviou o seu Filho para que o mundo fosse salvo. Compreendendo a revelação desse mistério, a imagem de Deus não poderia continuar a mesma, mas haveria a “conversão da imagem”. Era necessário eliminar a ideia de um Deus vingador a fim de assumir Sua ação misericordiosa. Somente sendo testemunhas dessa misericórdia narrada, ensinada e vivenciada por Jesus, os discípulos teriam o compromisso de anunciá-la a todos os povos através do perdão dos pecados.
Portanto, as três missões poderiam ser sintetizadas numa única tarefa evangélica: anunciar e fazer misericórdia. Isso significaria o anúncio do Reino da salvífica morte e ressurreição de Cristo. Retornar ao Evangelho é descobrir as missões exigidas por Jesus e eliminar aquelas que não foram deixadas ou pedidas pelo Senhor, mas inventadas e distorcidas pelos homens.
O “vazio” deixado com a Ascensão de Jesus ao céu não é espaço de lamentação ou nostalgia, de dor ou angústia, mas de responsabilidade. O “vazio” deixado por Cristo deve ser preenchido pelos discípulos convocados a ser tornarem os narradores da Sua Presença. Portanto, narrar esta Presença é uma tarefa árdua porque o modo de pensar do homem é limitado e, às vezes, excludente. Será necessário “o poder que vem do alto”, a descida do Espírito Santo de Deus, para habilitá-los cumprir a grandiosidade desse mandato. Tomando consciência dessa continuidade missionária, o Espírito Santo foi derramado rompendo todo medo e culpa. Foi Ele quem trouxe sentido, vitalidade e futuro à nova missão dos discípulos. O Espírito que permaneceu em Jesus, durante o seu percurso histórico, passou a habitar nos continuadores da presença do Senhor. É esse mesmo Espírito que deve fazer com que a Igreja deixe de ser infantil, medrosa e dependente. É esse Espírito que deve tornar a Igreja adulta, responsável e superabundante da misericórdia do Senhor ascendido ao céu.
Senhor, ajuda-me a entender a missão dada aos discípulos para continuar na fidelidade à tua proposta. Ensina-me a entender que a única tarefa evangélica é anúncio e a ação da misericórdia. Permita-me com que continue a ser habitado por tua Presença e possa vivenciá-la de forma coerente e responsável no mundo. Liberta-me dos pensamentos mesquinhos, dos sentimentos excludentes e das compreensões inventadas e distorcidas pelos homens.
LFCM.
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