O maior milagre
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 8 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de fev.
O evangelista relata o episódio acontecido na margem do lago de Genesaré em que uma grande multidão estava ao redor de Jesus. Esta narrativa é importante para a teologia e para a catequese de Lucas. É a primeira vez que é relatado Jesus pregando fora da sinagoga, pois essa pregação à margem de um mar é um profundo fato de grande importância teológica. O mar sempre foi lugar de admiração e, ao mesmo tempo, de perigo. As margens do mar é um espaço democrático e de liberdade. Por ali, pessoas de diversas origens passavam e viviam as mais variadas situações.
A beira do mar tornou-se o Templo de Jesus e o seu púlpito, o barco de Pedro. Dessa maneira, Jesus uniu sua pregação itinerante à situação dos pescadores que passavam por desilusões. Terminando de falar com a multidão, Jesus passou do anúncio à ação: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”.
Simão, homem experiente na arte da pescar e dos mistérios do mar, tentou desconsiderar a ordem de Jesus: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos”. Jesus encontrou Simão numa manhã amarga e dolorosa. Era vergonhoso para um pescador nada ter pescado. Estar à beira do lago, com as mãos vazias, significava um tremendo fracasso.
O pedido do Cristo para avançar para águas mais profundas significava sair da superficialidade, tomar decisões e correr o risco de não conseguir pescar nada novamente. Para Simão, a ordem do Mestre era excessiva. Voltar ao mar para tentar nova pesca, durante o dia, era impossível. Ele sabia que o horário não era adequado para a pesca: “Se nada pescamos durante à noite, muito menos pescaremos à luz do dia”. No entanto, ouvindo Jesus e soltando as cordas que prendiam o barco, avançaram adiante. Correndo o risco de fracassarem, aqueles homens se expuseram e não temeram seguir as palavras do Mestre. À medida em que a confiança na Palavra era alimentada pela primeira comunidade, os discípulos iam amadurecendo, solidificando as convicções e renovando a fé.
O resultado foi surpreendente. O evangelista destaca vários detalhes: a enorme quantidade de peixes, as redes quase rompendo-se, a necessidade da ajuda dos companheiros e os barcos que corriam o risco de afundar. Vendo o acontecido, Pedro percebeu a autoridade de Jesus. A pesca abundante, ao meio-dia, depois do fracasso noturno, era um presente, um sinal da benção divina. Simão não se considerava digno de tal benção, mas reconheceu a força do poder da palavra de Jesus que moveu os pescadores para uma nova tentativa de pesca, fora do horário previsto.
O fato transformou-se num profundo confronto existencial e numa grandiosa teologia. Aquele que havia sido generoso com Jesus ao permitir que Ele subisse na barca e pudesse pregar, agora, reconhece sua indignidade pecadora e pede seu afastamento do Mestre.
O maior milagre feito por Jesus para Simão e para os demais pescadores desiludidos, cansados e frustrados, não foi a rede cheia de peixes, mas a saída do lugar de vítimas em que aqueles homens se colocavam a cada fracasso cotidiano. Jesus deseja que seus discípulos saiam da superfície das desilusões e contemplem sempre um novo começo a cada amanhecer. Era preciso que eles voltassem ao mar para reconciliarem-se com as suas próprias limitações e acreditassem em si mesmos e, sobretudo, na Palavra do Mestre.
Não voltar ao fundo do mar e não se arriscar numa outra pesca significava permanecer nas situações de fracassos bloqueando novas possibilidades. Quem não aprendeu a retornar, permanece na superfície, morre no tédio das margens, presta culto à culpa interior e fecha os olhos para o mistério da Palavra.
O total fracasso que antecede a pesca abundante tem um profundo significado existencial. A experiência dos discípulos é, por inúmeras vezes, a nossa experiência. Como Pedro, pescador que não pesca, somos nós: médicos que não curam, padres que não convertem, professores que não ensinam, família que não acolhe, pais que não amam e educam etc. O fracasso e as desilusões fazem parte da nossa história. Entretanto, nesses momentos somos convidados a ouvir, a acreditar e a praticar a Palavra do Mestre. Ele deseja que não sejamos autorreferenciais e que fujamos da tentação de permanecer contemplando a nós mesmos. Por isso, diante da maravilha do mistério e da abundante pesca, os rudes pescadores que somente tratavam de peixes e consertavam redes tiverem que aprender a tratar corações e a consertar vidas.
Senhor, ajuda-me compreender minhas experiências de fracasso à luz da Tua Presença e da Tua Palavra não vivendo de estruturas que sufocam, que prestam culto à culpa e fecham os olhos ao mistério. Não permita que meus insucessos façam-me permanecer nas margens e nas superfícies, vazio e sem sentido. Ensina-me a tratar corações e a consertar vidas.
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