top of page

O lugar da passagem

  • Foto do escritor: Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
    Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
  • 29 de abr. de 2023
  • 4 min de leitura

A liturgia, nos três primeiros domingos pascais, se inspira nas aparições do Ressuscitado e na ressurreição dos discípulos. Depois, busca inspirações em “alegorias” revelando o aspecto central da experiência pascal. Dessa forma, o quarto domingo de Páscoa, através de versículos do décimo capítulo do evangelista João, enfatiza a imagem de Jesus como o Bom Pastor. A cada versículo encontramos passagens concisas com plenos significados.


Para explicar as grandes verdades sobre Deus e a sua delicadeza no confronto com o homem, Jesus usava imagens simples do seu tempo. Nas Escrituras, pastores e ovelhas estão muito presentes porque faziam parte da sociedade pastoral agrícola na qual surgiu a Bíblia. Ser pastor significava desempenhar um ofício de grande relevância e, por isso, todos tinham a figura do pastor como exemplo de vida. Em nosso ambiente sociocultural a imagem do pastor não tem tanto significado e acaba evocando atitudes de domínio, de controle, de paternalismo e, sobretudo, de ausência de liberdade.

A revelação de Jesus como pastor enviado por Deus destaca-se no contexto de uma história de fracasso dos pastores históricos de Israel, isto é, dos líderes que fracassavam em sua tarefa e se preocupavam em alimentar-se mais do que em alimentar o rebanho. Para os frequentes exemplos de maus pastores, Jesus traz a imagem de um pastor diferente: o Bom Pastor.

O Pastor não é Bom porque cuida de suas ovelhas, mas porque oferece sua própria vida por elas. O pastoreio de Jesus não tem nada a ver com o poder que controla, com o autoritarismo que incomoda, com o paternalismo que infantiliza e com o produto que se vende. Suas palavras e suas atitudes têm o intuito de oferecer vida e existência livre. Elas despertam tudo o que está atrofiado e adormecido no ser humano. Aqueles que escutam Sua voz sentem a Verdadeira Vida que alimenta e dá sentido à própria existência. O Bom Pastor é Aquele que evoca a mais profunda verdade do ser humano potencializando seus recursos internos.


Nesse contexto de pastoreio, Jesus explicita uma imagem central: “Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”. A porta evoca lugar da passagem. Ela é a travessia entre dois espaços: do externo para o interno e do interno para o externo. É pela porta que se entra e é pela porta que se sai.

A conclusão da parábola afirma que Cristo é a porta e não o porteiro. O porteiro impossibilita a passagem de alguém que queira entrar ou de alguém que queira sair. Cristo é a porta e não um porteiro controlador. Desse modo, o Bom Pastor como Porta não traz a ausência de liberdade e nem a presença de um paternalismo doentio de controle.

A narrativa diz que o Bom Pastor conduz suas ovelhas para fora do recinto. Essa informação nos parece bastante estranha, pois institivamente desejamos que o Pastor nos coloque ou coloque suas ovelhas para dentro do redil a fim de protegê-las e defendê-las do mal. Pensamos que o pastor é bom apenas quando protege suas ovelhas para não escutarem vozes de maus pastores, quando as guiam nas estradas fáceis e menos íngremes e quando as protegem dos alimentos perigosos que encontram pelo caminho. Entretanto, essa leitura ingênua e infantilizada do Pastor descaracteriza o sentido do Evangelho e das imagens evocadas por Jesus.


O Bom Pastor do Evangelho conduz para fora. Ele é a Porta das ovelhas e não do redil. Conduzir para fora é conduzir para espaços livres e de grande amplitude. A imagem da porta para o Bom Pastor revela que Ele é o lugar da passagem. Ele é a Porta da Vida Plena. É passando por essa Porta que somos curados e ouvimos a Voz Verdadeira que permite fazermos a experiência da autêntica liberdade. Passar pela Porta do Ressuscitado é destravar toda opressão que diminui nossa existência e que abusa da nossa frágil consciência. Somente na relação com Ele, nossa vida encontra sentido livre, pleno e belo. As outras relações que acompanham nossa existência devem encontrar profundidade, a partir da relação com Cristo, pois Ele é quem nos lança à liberdade não permitindo que nada e ninguém nos tirem de nossos amplos espaços.


A nossa vida, como toda casa, tem uma porta: somos nós que decidimos para quem abrir. Às vezes, corremos o risco de passar a vida inteira sozinhos porque trancamos nossa “porta” e não a abrimos para ninguém. Somos nossos próprios guardiões! Aqueles que reconhecem nossa dignidade, pedem licença para entrar. Contudo, em nossas vidas encontramos pessoas que não nos pedem licença ou que nunca damos permissão para entrar dentro de “nossas casas”. Essas pessoas chegam, entram sem bater, matam nossas vidas, roubam nossas energias e destroem nossos dons. São os verdadeiros ladrões de sonhos e assaltantes de sentimentos.

Jesus fala de bandidos que não querem a Vida em abundância, mas simplesmente desejam possuir as ovelhas para servirem-se delas. Enquanto, de si mesmo, Jesus fala como um Pastor que vem para que os homens “tenham vida em abundância”. Quanto mais estivermos familiarizados com a voz do verdadeiro Pastor, facilmente reconheceremos aqueles que vêm para nos roubar a liberdade, matar a justiça e para destruir a caridade.

Há muitas portas em nossa história que não queremos abrir para não assumirmos os riscos da nossa existência. Entretanto, muitas delas devemos abrir seguindo em frente. Às vezes, passamos por outro lado, fugimos e procuramos uma solução mais fácil de superar. No entanto, é preciso ter a coragem de passar pela Porta da libertação a fim de progredirmos em nossa caminhada. A ideia de que Jesus é a Porta nos ajuda a passar pelas portas trancadas da nossa existencialidade. Cristo é a Porta da Liberdade. Ele é experiência da vida ressuscitada em toda a sua plenitude. Portanto, passar por essa Porta é entrar na Vida em abundância vivendo a possibilidade da liberdade, da plenitude e da beleza.


Senhor, que a tua voz desperte em mim tudo o que está atrofiado e adormecido. Concede-me o dom de escutá-Lo para experimentar a Verdadeira Vida que dá sentido à minha própria existência. Permita-me evocar minhas verdades profundas potencializando meus recursos internos. Dá-me escolher entrar pela Porta que não me controla, não me escraviza e não me delimita. Ensina-me a reconhecer a Verdadeira Voz que me conduz aos espaços livres, amplos e que me fazem experienciar a autêntica abundância. Permita-me viver a possibilidade da liberdade, da plenitude e da beleza.


LFCM.

Posts recentes

Ver tudo
O abandono de Deus

Esta semana nos permite entrar na "morte de Deus" e nos oferece duas narrativas evangélicas. A primeira nos diz sobre a livre entrada de...

 
 
 

1 Kommentar


Marcia Severo
Marcia Severo
30. Apr. 2023

Bom Dia Frei , sempre peço coragem para estar sempre vivendo as dores q a vida nos trás, para seguir em frente, viver livre das amarras interiores. Gratidão. Paz e Bem.

Gefällt mir

© 2023 por NÔMADE NA ESTRADA. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook
  • Instagram
bottom of page