O dom gratuito
- Frei Luis Felipe C. Marques, ofmconv.
- 19 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de nov. de 2024
Jesus continuou seu caminho em direção a Jerusalém e, pela terceira vez, anunciou o seu terrível destino. Esse terceiro anúncio, ao contrário dos dois primeiros, foi dramático e impressionante. Ele especificou que seria “condenado à morte, entregue aos gentios, zombado, cuspido, açoitado e morto”.
No primeiro anúncio, houve a reação negativa de Pedro; no segundo, a disputa entre quem seria o maior; no terceiro, o pedido de Tiago e João. Dessa vez, os discípulos não quiseram convencê-Lo de não morrer. Eles, aceitando que Jesus não seria o Messias glorioso e dominador, passaram a pensar na continuidade da missão e nas ambições futuras.
Os discípulos estavam surdos às advertências e às correções do Mestre. Mostravam-se incapazes de compreender as intenções e a profundidade dos sentimentos do Messias. Eles não se preocupavam em ser solidários com Jesus, aderindo aos seus ensinamentos e à sua missão. Ao contrário, eles estavam preocupados em garantir honras e lugares vantajosos. Tiago e João, logo reivindicaram os privilégios por terem sido os primeiros a serem chamados. No entanto, mesmo depois da caminhada com o Messias, não tinham consciência do que estavam pedindo e falando.
Jesus respondeu a pretensão ambiciosa e o delírio de poder enfatizando que o lugar na glória é dom gratuito do Pai e não pode ser conquistado por méritos humanos.
Os discípulos cometiam grande erro quando tentavam comparar o Reino de Deus com os reinos deste mundo. Seus modelos de autoridade eram bem diferentes do modelo de Jesus: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam”. Eles conheciam os líderes políticos e religiosos, os rabinos, os escribas e os sacerdotes do Templo. Todos exerciam o poder da mesma maneira: ordenavam, exigiam reverências cerimoniais, reivindicavam privilégios e lugares de honra. Diante deles era preciso ajoelhar-se, beijar as mãos, observar os títulos e os prestígios de cada um deles. Entretanto, Jesus rejeita esses modelos e, sendo pragmático, adverte: “entre vós não deve ser assim”.
O projeto do Mestre era outro: “quem quer ser grande, seja servo; e quem quer ser o primeiro, seja o escravo de todos”. Delirados pelo poder e fascinados por lugares privilegiados, os discípulos mostravam a Jesus que não haviam entendido os processos da caminhada e não ficariam com Ele até o fim. Era melhor que o Messias morresse logo para que eles pudessem aderir a uma nova lógica. Tendo negligenciado os três anúncios da paixão, os discípulos tinham os modelos vigentes de poder como exemplo a ser seguido. Para eles, os melhores lugares deveriam ser ocupados pelos que estavam mais tempo com Jesus. Vendo a ambição e o desequilíbrio de seus seguidores, o Mestre, preocupado, convoca uma reunião para expor com clareza e objetividade seu projeto de amor.
Aqueles homens não entendiam que o sentido do discipulado não era o poder, mas deveria ser o serviço, a total doação. Jesus não nos salva por causa de seu poder divino, mas pela oferta livre e generosa de sua própria vida humana. A relação que Ele desejava estabelecer era a do livre “seguimento” e não uma relação de obediência cega e irrestrita. Conhecendo os poderes mundanos e aqueles que usavam o nome de Deus para se auto-promoverem, Jesus anseia libertar seus discípulos do fascínio do mérito e do delírio do poder.
O poder nunca pode ser a mediação de salvação porque o mais desumanizador é o “poder religioso”. Esse pode corrói relacionamentos, construir falsas narrativas, criar ambientes de tensões, manipular consciências e alimentar culpas e medos.
A salvação e o sentido da vida consistem não numa força coercitiva, mas na disponibilidade do serviço. A autoridade de Jesus sempre foi marcada pela generosidade e pelo acolhimento. A sua autoridade nunca teve como fundamento a manipulação de consciências. Nunca se sustentou pela subserviência do controle ou pelo domínio de sentimentos. A glória de Cristo é a cruz! Nesse sentido, à sua direita e à sua esquerda não estiveram os melhores ou os privilegiados, mas dois homens condenados à mesma sorte: pecadores e ladrões. Ao lado de Jesus, em sua glória, estarão aqueles que forem capazes de reconciliar suas humanidades no poder glorioso da cruz e na oferta incondicional do amor.
Senhor, tira-me dos sonhos de privilégio e de glória. Livra-me da tirania dos méritos e do delírio do poder. Ajuda-me a entender que ao teu lado estão os mais frágeis e vulneráveis. Ensina-me sempre a servir, viver teus ensinamentos, participar da tua lógica e acolher teu projeto de vida.
Gratidão Frei por me enviar. Sempre tenho mais clareza com suas palavras. Elas me ajudam a seguir sempre a vontade do Senhor. Paz e Bem